sábado, 5 de setembro de 2009

SEGUIDORES DE CRISTO

O contraste entre o discipulado e a religiosidade.

Enquanto Jesus percorria a terra de Israel, muitas pessoas o a acompanhavam, mas dois tipos se destacaram: os discípulos e os religiosos, seguidores e perseguidores respectivamente. Eles estavam sempre presentes, mas por motivos diferentes. Lendo os evangelhos,
principalmente os de Mateus e Lucas, percebe-se que os escribas,
fariseus e saduceus "seguiam as pisadas do Mestre". Eles são citados
desde a visita dos magos até a crucificação. Eles viram Jesus,
presenciaram milagres, ouviram seus ensinamentos, mas não foram
salvos. Tornaram-se o triste exemplo de pessoas que compareceram aos
momentos mais gloriosos da história, mas perderam a oportunidade de
se tornarem servos do Senhor. Foram testemunhas oculares, porém
inúteis. Acompanharam o Mestre na terra, mas não viverão com ele no
céu.
Notamos a presença ou referência a tais personagens em Mateus 2.4;
3.7; 5.20; 6.2,5,16; 7.29; 9.3; 9.11; 9.14; 9.34; 12.2; 12.10; 12.14;
12.24; 12.38; 15.1-14 ; 16.1-12; 16.21; 19.3-8; 21.15-17; 21.23-32;
21.45-46; 22.15-22; 22.23-36; 22.41-46; 23.1-35; 26.3-5; 26.14;
26.47; 26.57-59; 27.1-2; 27.62; 28.11-13.

OS GRUPOS

No primeiro século da era cristã, o judaísmo estava dividido em
seitas. Havia grupos religiosos e políticos. Alguns atuavam nos dois
setores ao mesmo tempo. As principais facções eram: fariseus
(At.15.5), saduceus (At.5.17), herodianos (Mt.22.16), zelotes
(At.1.13), sicários (At.21.38) e essênios (estes não são citados na
bíblia). Cada grupo se considerava melhor que o outro. Suas
diferenças básicas eram o nível de zelo no cumprimento da lei e a
postura favorável ou contrária ao governo romano. As atitudes
políticas iam desde a aceitação passiva até o nacionalismo
fundamentalista, fomentador de revoltas armadas.

Os escribas não constituíam um grupo religioso. "Escriba" era o
ofício daqueles que copiavam as Escrituras.
A seita dos fariseus era a mais popular, com o maior número de
adeptos. Os saduceus, por sua vez, eram a elite sacerdotal. Os
fariseus eram ortodoxos, rigorosos no cumprimento da lei e contrários
aos romanos. Os saduceus eram mais flexíveis na obediência a Moisés
e apoiavam o Império. O que mais lhes interessava era viver bem,
aproveitando o melhor de ambos os lados: o judaico e o romano.
Esses grupos eram opostos entre si, mas, para surpresa de todos,
demonstraram grande união quando o assunto era perseguir o Senhor
Jesus (Mt.22.15-16).

O PERFIL DOS PERSEGUIDORES

Seria normal que Jesus obtivesse aprovação de uns e reprovação de
outros, como acontece até hoje. Contudo, é impressionante que aqueles
que o reprovavam eram pessoas religiosas, crentes, conhecedoras e
praticantes da lei.

- SUA FÉ – Criam em Deus, mas não em Jesus. Dessa forma, não podiam
ser salvos. Ele mesmo disse: "Credes em Deus. Crede também em mim"
(João 14.1).

- SEU CONHECIMENTO - Aqueles religiosos conheciam muito bem as
Sagradas Escrituras. Isso é ótimo, mas sem o compromisso com Jesus,
o conhecimento se tornava inútil e até prejudicial, pois eles
distorciam a palavra de Deus para diversos fins. Eram profundos
conhecedores da letra. Alguns deles eram copistas do Antigo
Testamento, doutores da lei, mas ignoravam por completo a graça
divina.

- SUA PRÁTICA – Fariseus e saduceus eram praticantes de rituais,
costumes e tradições, mas não estavam dispostos a fazer o que Jesus
mandava. A liturgia, os usos e costumes, tornam-se vazios e sem
valor quando a pessoa não é um discípulo de Cristo. Ocorre então a
oração sem fé e sem resultado; a palavra sem vida e sem autoridade; a
oferta sem generosidade; o agradecimento sem gratidão. Tal é a
religiosidade desprovida de uma viva experiência com Deus, como disse
Jesus: "Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está
longe de mim" (Mc.7.6).

OS MOTIVOS DA OPOSIÇÃO A CRISTO

Logo que o Senhor Jesus começou o seu ministério, o povo observou que
o seu ensino era melhor que o dos escribas (Mt.7.29). Ele fazia
milagres, curava as pessoas, expulsava os demônios. Nenhum fariseu
ou saduceu era capaz de fazer isso. Eles se sentiram, então,
diminuídos e humilhados. O novo rabi representava, aos seus olhos,
uma ameaça. O prestígio dos líderes religiosos diante do povo
começava a ruir. Estaria surgindo uma nova seita para conquistar
seus rebanhos? O ciúme e a inveja nasceram e cresceram rapidamente.
Suas posições precisavam ser defendidas a todo custo, pensavam.

OS ATAQUES

Os fariseus e saduceus viviam atentos a qualquer movimento novo. Por
isso, compareceram ao batismo de João, quando receberam o título
de "raça de víboras" (Mt.3.7). Depois, passaram a seguir Jesus. Em
alguns momentos, faziam perguntas que poderiam até passar a idéia de
um sincero interesse pela verdade e pelos ensinamentos do Mestre
(Mt.12.10; Mc.12.28; Lc.10.25,29). Contudo, ele não se enganava com
eles, pois conhecia seus pensamentos (Mt.9.4; 12.25).

Houve também questionamentos irônicos e maldosos (Mt.9.11; Mt.15.1-2;
Mt.21.15-16; Mt.21.23; Mt.22.23-28; Mc.2.18,24; Mc.10.2; Mc.11.28;
Mc.12.18-19; Jo.9.40).

Eles tentavam desmoralizar Jesus diante do povo, procurando colocá-lo
em situação difícil, embaraçosa, ou até mesmo fazê-lo transgredir a
lei mosaica (João 8.3-5) ou romana (Mt.22.15-18). Não conseguiram
seu intento.

O ciúme e a inveja geraram a indignação (Mt.21.15) e o ódio (João
15.25). Dos questionamentos, passaram às acusações (Mt.9.3; 12.25) e
às blasfêmias (Mt.12.24). Por último, a conspiração (Mt.12.14; 26.4),
a prisão (Mt.26.57) e a morte do Messias (Mt.27.1-2).

Lendo Mateus, percebemos o aumento da tensão entre Jesus e os
religiosos. No princípio, o Mestre lhes dava pouca atenção. Do
capítulo 21 ao 23, ele passou a atingi-los diretamente com seus
discursos. Algumas parábolas foram dirigidas especificamente aos
fariseus e saduceus, denunciando a falsidade de sua religião
(Mt.21.23 a 22.15). Era chegado o ápice do confronto. A partir de
então, eles não mais o procuraram para fazer perguntas (22.46). O
ataque seguinte seria para matá-lo.

RELIGIOSO OU DISCÍPULO?

Quando Jesus veio, já encontrou a religião judaica em pleno
funcionamento. Logo, sua proposta deveria ir além da religiosidade
vigente, e assim foi. Jesus veio ensinar, não uma religião, mas um
modo de vida em sintonia com o Pai. O sermão da montanha mostra
exatamente esse contraste (Mt.5 a 7), cuja síntese pode ser observada
nas suas palavras aos discípulos em Mt.5.20:

"Se a vossa justiça não exceder à dos escribas e fariseus, de modo
algum entrareis no reino dos céus".

Em todo o sermão, observam-se dois tipos de comportamento, dois
níveis de justiça, dois padrões de vida representados,
principalmente, pela fórmula: "Ouviste o que foi dito aos antigos, eu
porém vos digo...". Os religiosos cumpriam muito do que foi dito
pela lei, e ainda acrescentavam inúmeros costumes e tradições
(Mt.15.1-6). Davam esmola (Mt.6.2) e ofertas (Mt.5.23), oravam
(Mt.6.5), jejuavam (Mt.6.16), etc, mas, ao mesmo tempo, tentavam
ajuntar tesouros na terra (Mt.6.19), servir a dois senhores (Mt.6.24)
e julgar o próximo (Mt.7.1). O religioso fariseu pode acabar se
tornando falso profeta (Mt.7.15), sendo também representado nas
palavras de Jesus como a árvore que dá mau fruto (Mt.7.17) e a casa
construída sobre a areia, cujo fim será a ruína (Mt.7.26).

Jesus veio ensinar o modo de vida do discípulo, que deve ser
caracterizado pelas bem-aventuranças (Mt.5) e um tratamento profundo
contra as raízes do pecado que se ocultam no olhar (Mt.5.28), no
sentimento (Mt.5.22), nas intenções (Mt.5.28) e nas palavras
(Mt.5.22). A vida que Cristo propõe é dirigida pelo Espírito, não se
tratando apenas de um conjunto de práticas aprendidas através da
letra.

O discípulo também dá esmolas e ofertas, jejua e faz orações, mas os
seus motivos são diferentes do religioso (Mt.6.2,5,16). Tudo que o
fariseu faz tem como alvo o público. Não que ele queira abençoar
alguém, mas apenas impressionar, de modo que sua imagem pessoal seja
promovida. É o culto horizontal, do homem para o homem (Mt.6.1,2,
5,16).

O verdadeiro discípulo tem a única intenção de agradar ao Pai
(Mt.6.1,4,6,8,9,14,15,18). Por isso, muitas de suas ações serão
discretas ou até secretas (Mt.6.3,4,6,18), esperando que só o Pai
veja e fique satisfeito.

A PERSEGUIÇÃO CONTINUA

Poderíamos imaginar que, com a morte de Jesus, fosse encerrado o
conflito com os religiosos, mas isso não aconteceu. O livro de Atos
mostra o ferrenho combate dos líderes religiosos contra a igreja
primitiva. Depois de matarem o Senhor Jesus, começaram a matar os
apóstolos. Sacerdotes e fariseus continuavam coligados nessa luta
interminável.

O Mestre já havia predito:

"Eles vos entregarão aos sinédrios, e vos açoitarão nas suas
sinagogas... Se chamaram Belzebu o dono da casa, quanto mais aos seus
domésticos?" (Mt.10.17,25).

"Se a mim me perseguiram, também vos perseguirão a vós" (João 15.20).
"E até pelos pais, e irmãos, e parentes, e amigos sereis entregues; e
matarão alguns de vós" (Lc.21.16).

"Ainda mais, vem a hora em que qualquer que vos matar julgará prestar
um serviço a Deus" (João 16.2).

Não é de se estranhar, portanto, que até hoje os verdadeiros servos
de Jesus sejam combatidos por pessoas religiosas que afirmam crer e
servir ao mesmo Deus que nós.

E NÓS, QUEM SOMOS?

Além de tudo o que foi dito, o mais importante é que cada um examine
a si mesmo para ver se tem sido um discípulo ou religioso.
A falsa religiosidade é o lugar comum para onde todos correm o risco
de se dirigirem pela simples inércia, pelo descuido com a santidade e
pelo relaxamento na busca ao Senhor. Quando menos esperamos, já
estamos vivendo o mero cumprimento de obrigações e costumes, vivendo
um cristianismo mecânico, onde há movimento, mas não existe vida.
Alguns tornam-se até perseguidores dos irmãos. Precisamos tomar
cuidado para não criarmos concorrências e combates por motivos
doutrinários, comerciais ou políticos, como acontecia no ambiente
judaico do primeiro século.

Particularmente nós, estudantes e professores de teologia, precisamos
estar atentos a fim de não nos tornarmos os escribas da atualidade,
profissionais da fé, cheios do conhecimento, mas sem o compromisso do
discípulo que conhece o Mestre, aprende com ele e vive para ele.

O Sermão da Montanha continua sendo um excelente conjunto de
parâmetros para a auto-análise nesse sentido.

ESPERANÇA DE TRANSFORMAÇÃO

Jesus ama os religiosos, embora tenha sido duro com eles. A maioria
não se converteu, mas alguns sim (At.15.5), dentre os quais temos
dois exemplos muito positivos:

- Nicodemos era um fariseu, um mestre da lei, que foi procurar Jesus
secretamente (João 3.1; 7.50; 19.39). Cristo o recebeu de braços
abertos, como faz, ainda hoje, com todo aquele que deseja deixar de
ser um mero religioso para se tornar um verdadeiro servo do Senhor.

- Saulo de Tarso também era fariseu (At.23.6; Fp.3.5) e um dos
maiores perseguidores da igreja primitiva. Encontrou-se com Jesus
após a ressurreição no caminho de Damasco e ouviu sua voz que
dizia: "Saulo, Saulo, por quê me persegues"? (At.9.4). Naquele dia, o
perseguidor caiu por terra e converteu-se, tornando-se o grande
apóstolo Paulo.

O Senhor deseja que nos lancemos aos seus pés, deixando de ser
seguidores sem compromisso. Não podemos admitir um cristianismo
farisaico, sem vida, sem poder, sem santidade, consistindo apenas no
cumprimento de rituais e tradições humanas. Que o Senhor tenha
misericórdia de nós e nos ajude a sermos discípulos fiéis. Que, como
Paulo, sejamos usados com grande poder para a glória de Deus.

Anísio Renato de Andrade

Bacharel em Teologia

www.geocities.com/anisiorenato

Pseudo Repórter policial (com 30 anos de experiência na Área - Policial?)

http://www.youtube.com/watch?v=rE7qRunLA2k

Vejam um apresentador de 5ª Categoria conseguiu ser um campeão de comentários.
Queria saber de onde ele tirou o PAC 300 (Plano de Aceleração do Crescimento 300?).
Soldadinho????

Próximas inscrições dos cursos do EAD-PRONASCI

Próximas inscrições dos cursos do EAD-PRONASCI

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhgY2mTK_7GeGu_UJEc6XPjiWjvW51yd3zEt5sV8Ge7XpIVIlopn2ZlVcsWZuHK2r4gJBiPsCBhkZXM2GdFytaYfGzXoxOPaI_e5f7s7PtEluVoCo3o0VKUZbDtrhNyqeF3Tpyif1JkWZA4/s200/logo%2520forum%2520transp.gif

Para o próximo ciclo (18º) as inscrições começarão no dia 26 de janeiro de 2010;


  • Período de inscrição: 26/01/2010 a 30/01/2010
  • Limite de vagas: 200 mil

PMDF exige nível superior

Por meio de mandado de segurança, TJDF garante exigência


Os aspirantes a soldado da Polícia Militar do Distrito Federal terão que aguardar a decisão oficial da Justiça para saber se candidatos com nível médio poderão submeter-se às provas do concurso da PM. O Tribunal de Justiça do DF expediu mandado de segurança, protocolado pela Associação dos Oficiais da PM, que mantém a exigência de nível superior para o exercício da função. A decisão é fundamentada no Decreto 28.682/2008, assinado pelo governador José Roberto Arruda, no início do ano passado.
A medida é contestada pelo Tribunal de Contas do DF (TCDF), que se fundamenta na legislação federal e contesta o edital do concurso, alegando que a lei exige apenas o diploma de nível médio para o desempenho da atividade. Segundo o TCDF, o decreto aprovado não se sobrepõe à lei federal, e para solucionar o impasse seria necessária a criação de uma lei distrital que regulamente a situação dos militares.
Para o presidente da Associação dos Oficiais da PMDF (Asof), major Lima Filho, a exigência de nível superior contribuiria para o aprimoramento da profissão de soldado e melhoraria a qualidade do serviço oferecido à população. “Concordamos com a exigência de nível superior para o exercício da função porque isso possibilitaria ao profissional uma maior compreensão sobre a complexidade do seu serviço. O policial militar lida com muitas situações diferentes no seu dia-a-dia, que exige maior preparo e mais conhecimento”, argumenta Filho.
Ele argumenta que a instituição se ampara nas Lei 11.134/2005 e 7.239, que alteram o Estatuto do DF e dispõem sobre o Estatuto da PMDF. “Essas leis preveem a exigência tanto de nível médio quanto de nível superior para o ingresso na carreira militar, e a decisão final fica a cargo do comandante-geral da corporação”, comentou.
O departamento jurídico da Asof informou que aguarda a publicação da decisão judicial para dar continuidade à seleção dos candidatos.CONTROVÉRSIA

O estudante Hugo Leonardo, 24 anos, defende a iniciativa da Asof. “O concurso deve permanecer com a exigência de nível superior, porque a Polícia Militar precisa de pessoas com mais qualificação profissional. Acredito que essa decisão melhoraria a qualidade do atendimento policial”, argumentou.
Já o estudante Tiago Jordão, que possui diploma de nível médio, não realizou as provas por causa da exigência prevista no edital do concurso, e defende o entendimento do TCDF. “O concurso deveria exigir apenas o nível médio, porque a atividade de policial militar é fundamentada basicamente no patrulhamento ostensivo”, analisa.

O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA E A VIOLÊNCIA POLICIAL

O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA E A VIOLÊNCIA POLICIAL

CARLOS ALBERTO DA SILVA GALDINO

Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí

Assistente de Promotoria de Justiça da Capital

Pós-Graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal pela EPAMPSC

1. Noções Introdutórias – 2. O Princípio da Dignidade Humana – 3. O Princípio da Soberania Estatal – 4. A Segurança Pública como função de um Estado de Direito – 5. O Controle Social e a Violência – 6. O Princípio da Dignidade Humana e a Violência Policial – 7. Considerações Finais – 8. Referências Bibliográficas

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Questão hodierna que serve de tema a assíduos debates é a preservação do instituto da dignidade humana em face de atos desvirtuados do poder como ele é concebido atualmente. Mesmo que durante todo o processo histórico-evolutivo se tenha adquirido fundamentos e princípios que estruturaram a atual sociedade ocidental na qual vivemos, consubstanciada na preservação da integridade humana tanto física quanto moral, não se pode olvidar o fato de que alguns órgãos estatais aplicam o poder de forma demasiada e distorcida, longe dos fins definidos pela atual Carta Política de 1988. Destarte, o princípio da Dignidade Humana, insculpido no artigo 1°, inciso III, da Constituição Federal é fundamento de nossa República, não podendo de forma alguma ser aviltada por atos excessivos de agentes públicos, com o emprego da violência de forma atentatória às bases estatais, ferindo a atual concepção de justiça, desestruturando sobremaneira a construção de um verdadeiro estado democrático de direito.

2. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA

Em traços preliminares, cumpre salientar o sentido etimológico das expressões dignidade e pessoa. Este último vem do latim persona, significando, em um sentido comum, o ser humano em suas relações com o mundo ou consigo mesmo. Em sentido mais amplo, concebe um sujeito de relações (ABBAGNANO, 1998, p. 71). Por outra via, porém na mesma senda, Acquaviva (2001, p. 531) define pessoa como “o ente ao qual a Lei atribui direitos e deveres. [...] a pessoa de existência visível.” Ainda quanto ao conceito, Ferreira (2004, p. 1550) assevera: “[...] pessoa é o ser humano considerado singularmente, como sujeito de direitos.”

Já a palavra dignidade vem do latim dignitas, e em uma linguagem coloquial, possui amiúde sentido de honradez e honestidade. Ferreira (2004, p. 682) define o comentado termo como sendo “cargo e antigo tratamento honorífico; função, honraria, título ou cargo que confere ao indivíduo uma posição graduada; autoridade moral; honestidade, respeitabilidade; decência, decoro; respeito a si mesmo, amor próprio, brio, pundonor.”

A luz da verdade, a dignidade humana é um princípio, como dito, universalmente reconhecido, muito embora existam exceções, porém não há dúvidas quanto ao fato de que “os princípios de uma ciência são proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subseqüentes. Princípios, nesse sentido, são alicerces da ciência.” (CRETELLA JÚNIOR apud DI PIETRO, 2004, p. 66).

Ademais, Mello (1996, p. 545) dá seu entendimento pormenorizado definindo o vocábulo princípio como

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, precisamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá o sentido harmônico.

Nestes moldes, na lição de Farias (2000, p. 56) “a pessoa humana é hoje considerada como o mais eminente de todos os valores porque constitui a fonte e a raiz de todos os demais valores.” Destarte, o valor da pessoa humana “é traduzido juridicamente pelo eminente principio fundamental da dignidade da pessoa humana.” (FARIAS, 2000, p. 60, grifo do autor). Tal princípio pode ser analisado sob enfoques distintos, compreendendo que a dignidade da pessoa humana direciona-se ao homem concreto e individual, enquanto que dignidade humana engloba a humanidade em geral, concebida como qualidade comum a todos ou como conjunto que os abrange e os ultrapassa. (MIRANDA, 1991, p. 169).

Já na concepção de Kant, a dignidade se consubstancia na capacidade humana em se submeter às regras oriundas de sua própria capacidade legislativa e de redigir um plano de vida de maneira consciente e ponderada. (RABENHORST, 2001, p. 34).

Há ainda quem suscite o fato da Dignidade da Pessoa Humana não poder ser considerada como algo inerente à natureza do homem de forma exclusiva, logo que a dignidade possui uma acepção cultural, constituindo produto do labor das diversas gerações da humanidade, motivo pelo qual a dimensão cultural e a dimensão natural da dignidade da pessoa humana se integram e se complementam mutuamente. (SARLET, 2004, p. 115).

Revela-se o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento de importância ímpar, porquanto ecoa sobre todo o ordenamento jurídico e reflete efeitos sobre as outras normas e princípios. A tutela dos demais direitos presume que a dignidade humana tenha sido respeitada. Nesse diapasão, o Estado deve conceder à sociedade condições mínimas para que todos tenham de fato dignidade. (MARTINS, 2005, p. 72).

Atento a tais observações de caráter relevante quanto ao tema ora debatido, Moraes (2003, p. 60) define o princípio em comento:

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos Direitos Fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (grifo do autor).

Assim sendo, atos propalados pela entidade estatal que visem ao desrespeito à existência digna, com a conseqüente violação aos limites de poder impostos pelo Direito, que acabem por infringir os Direitos Fundamentais notoriamente reconhecidos, merecem o total repúdio da sociedade em geral, haja vista a total impossibilidade da construção de um verdadeiro Estado democrático de Direito quando o controle estatal faz uso arbitrário do poder. (SARLET, 2004, p. 118).

Destarte, o princípio da dignidade humana é a pilastra-mestra de todo o ordenamento brasileiro. Nenhuma norma poderá ser criada e nenhum ato poderá ser propugnado de modo a infringir tal princípio. Deste modo, sua intangibilidade é pressuposto para a consecução de um Estado democrático mais justo e equânime.

3. O PRINCÍPIO DA SOBERANIA ESTATAL

No contexto mundial contemporâneo, não há sociedade sem Poder reconhecido. Dessa forma, mediante uma análise da conjuntura histórica, é possível constatar que mesmo os grupos sociais mais arcaicos possuíam líderes que comandavam e guiavam o grupo, estabelecendo uma relação de subordinação e respeito.

Destarte, não existem maiores imbróglios para averiguar que a forma política da sociedade é o Estado. Este é formado por uma sociedade permanente de homens que habita um território fixo e determinado e tem um governo independente. Este governo é uma expressão do poder estatal, que é o mais alto em relação aos indivíduos e independente em relação aos demais. (AZAMBUJA, 2000, p. 49).

A este poder próprio do Estado, que apresenta um caráter de evidente supremacia sobre os indivíduos e as sociedades de indivíduos que formam sua população, e, além disso, independente dos demais estados, dá-se o nome de Soberania. (AZAMBUJA, 2000, p. 49).

Nossa Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 por óbvio não passou desapercebida quanto à previsão do princípio em comento, colacionando-o como fundamento do Estado Brasileiro:

Art. 1° - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

[...] (BRASIL, 2004, p. 03).

Em razão do tratamento constitucional do aludido princípio, tal assunto não poderia ficar em segundo plano para os estudiosos do assunto. Portanto, imperioso se faz cotejar o conceito de Caetano (1987 apud MORAES, 2002, p. 50) dada a sua completude:

Um poder político supremo e independente, entendendo-se por poder supremo aquele que não está limitado por nenhum outro na ordem interna e por poder independente aquele que, na sociedade internacional, não tem de acatar regras que não sejam voluntariamente aceitas e está em pé de igualdade com os poderes supremos dos outros povos.

É importante salientar que a soberania não pode ser considerada uma característica essencial do poder do Estado, porquanto existem Estados que não são soberanos, como é o caso dos estados membros de um estado federal. O próprio qualificativo membro afasta a idéia de soberania. Logo, o poder supremo é investido no órgão federal. (MALUF, 1995, p. 29).

Não pairam dúvidas acerca da afirmação de que todo poder emana do povo. Assim asseverou a Carta Política Brasileira de 1988 em seu artigo 1°, parágrafo único (BRASIL, 2004, p. 03), inclusive prevendo no seu artigo 14 as formas de exercício da soberania popular (BRASIL, 2004, p. 19). Neste diapasão, qual seja, do poder soberano ser constituído pela vontade do povo, indispensável colacionar o pensamento de Beccaria (2001, p. 19):

As Leis foram às condições que agruparam os homens, no início independentes e isolados, à superfície da terra. Fatigados de só viver em meio a temores e de encontrar inimigos em toda parte, cansados de uma liberdade cuja incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para usufruir o restante com mais segurança. A soma dessas partes de liberdade, assim sacrificadas ao bem geral, constitui a soberania na nação; e aquele que foi encarregado pelas Leis como depositário dessas liberdades e dos trabalhos da administração foi proclamado o soberano do povo. [...] A reunião de todas essas pequenas parcelas de liberdade constitui o fundamento do Direito de punir. Todo exercício do poder que deste fundamento se afastar constitui abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito; constitui usurpação e jamais poder legítimo. (grifo nosso).

Destarte, “por soberania nacional entendemos a autoridade superior, que sintetiza, politicamente, e segundo os preceitos de Direito, a energia coativa do agregado nacional.” (MALUF, 1995, p. 30).

Concebe-se, portanto, muito embora detenha o Estado o poder soberano e estabeleça uma relação de hierarquia e subordinação, isso só é possível em razão da aquiescência do povo. Nestes moldes, mesmo que o Estado atue no sentido de promover a ordem e paz, seus atos estarão limitados a direitos inexoravelmente reconhecidos e tutelados pelo próprio corpo estatal. Essa é a noção de Estado Democrático de Direito, que detém o poder outorgado pelo povo e que não só respeita como resguarda os direitos inerentes à própria existência do indivíduo.

4. A SEGURANÇA PÚBLICA COMO FUNÇÃO DE UM ESTADO DE DIREITO

Antes de avançar aos aspectos fundamentais do tema em comento, faz-se imprescindível conceber seu conceito, que delineia a análise do assunto. Para Silva (1998, p. 739) “segurança, qualquer que seja sua aplicação, insere o sentido de tornar a coisa livre de perigos, livre de incertezas, assegurada de danos ou prejuízos, afastada de todo mal.” Já no entendimento de Silva Junior (2004, p. 02) segurança pode ser definida como:

Conjunto de estratégias de condução do poder nacional, por suas expressões de poder político, econômico, psicossocial e militar que garantam a consecução dos objetivos nacionais permanentes, caracterizados pelas aspirações vitais de conservação, equilíbrio e progresso, e dos objetivos nacionais atuais, concebidos como etapas intermediárias para o alcance dos primeiros.

Em um mesmo processo de cognição, Silva (2001, p. 755) conceitua o termo segurança concebendo suas interpretações de acordo com o enfoque dado pelo intérprete, asseverando:

Na teoria jurídica a palavra segurança assume o sentido geral de garantia, proteção, estabilidade de situação ou pessoa em vários campos, dependente do adjetivo que a qualifica. Segurança Jurídica consiste na garantia de estabilidade e de certeza dos negócios jurídicos, de sorte que as pessoas saibam de antemão que, uma vez envolvidas em determinada relação jurídica, esta se mantém estável, mesmo se modificar a base legal sob a qual se estabeleceu. Segurança Social significa a previsão de vários meios que garantam aos indivíduos e suas famílias condições sociais dignas; tais meios se revelam basicamente como conjunto de direitos sociais. [...] Segurança Nacional refere-se às condições básicas de defesa do Estado. Segurança Pública é a manutenção da ordem pública interna.

Destarte, a segurança pública, como função do ente estatal, somente é possível quando este detém o poder. Mesmo no exercício de atividades lícitas, os homens, pelo simples fato de viverem em comum, têm de respeitar e obedecer a normas legais que devem ser defendidas e aplicadas por um poder permanente, formado por parcelas de liberdade unilateral e singularmente concedida pelos indivíduos de um agrupamento social. De fato, o objetivo, a causa final do poder é manter a ordem, assegurar a defesa e promover o bem estar da sociedade, realizando, enfim, o bem público. (AZAMBUJA, 2000, p. 95).

Em breve escorço, poder-se-ia dizer que a estrutura estatal pode ser caracterizada pela relação sistêmica que a vida do Estado pode conter, envolvendo segurança, ordem, justiça, força, poder e autoridade, pela diferenciação, na teoria e na prática, entre o poder social e a função governamental e ainda pelo Estado realizando a coerção da conduta humana em um contexto organizado, submetido a uma conformação judicial geral. (PASOLD, 1998, p. 31).

Assim sendo, não pairam dúvidas quanto à necessidade do poder público como sustentáculo da segurança pública, haja vista a necessidade do controle das liberdades individuais por um poder político. Diante dessa afirmação, a atual Carta Constitucional Brasileira, como documento legislativo criado por uma assembléia constituinte representativa do povo brasileiro, segundo seu preâmbulo, determina em seu artigo 144 ser a segurança pública um dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, sendo exercida para preservação da ordem pública e para a manutenção da incolumidade e da integridade das pessoas e do patrimônio. (BRASIL, 2004, p. 95). A Constituição do Estado de Santa Catarina, em seu artigo 105 dispõe nos mesmos moldes da Lei Maior Federal.

Ainda no âmbito federal, veio ao mundo jurídico em 18 de fevereiro de 2004 o Decreto n° 4.991, que aprovou a estrutura regimental do Ministério da Justiça e deu outras providências, criando, como órgão colegiado do referido Ministério, o Conselho Nacional de Segurança Pública. Este conselho possui suas atribuições definidas no artigo 37 do aludido Decreto, que assim determina:

Art. 37. Ao Conselho Nacional de Segurança Pública - CONASP compete:

I - formular a Política Nacional de Segurança Pública;

II - estabelecer diretrizes, elaborar normas e articular a coordenação da Política Nacional de Segurança Pública;

III - estimular a modernização de estruturas organizacionais das polícias civil e militar dos Estados e do Distrito Federal;

IV - desenvolver estudos e ações visando a aumentar a eficiência dos serviços policiais, promovendo o intercâmbio de experiências;

V - estudar, analisar e sugerir alterações na legislação pertinente. (BRASIL, 2005b, p. 10).

Adiante, de acordo com a análise do título V, capítulo III da Carta Magna de 1988, que trata da segurança pública como elemento da defesa do Estado e das instituições democráticas, verifica-se indubitavelmente a estruturação por parte do legislador constituinte da organização policial brasileira, com disposições precisas de função e competência. Para tanto, surge como órgãos de defesa a polícia civil, polícia militar, polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal e o corpo de bombeiros (BRASIL, 2004, p. 96).

São de âmbito federal a polícia federal propriamente dita, a polícia ferroviária federal e a polícia rodoviária federal. Estão no âmbito estadual a polícia militar, a polícia civil e o corpo de bombeiros. (SILVA, 2001, p. 758).

Estabelecendo a Carta política de 1988 o formato policial a ser instituído internamente em todas as esferas políticas, não poderia deixar de prever a disciplina e organização dos órgãos responsáveis pela segurança dos municípios. O artigo 144, §8º da Constituição Federal concedeu aos municípios, por meio de sua competência legislativa interna, dispor acerca da formação de guardas municipais destinadas a proteção de seus bens, serviços e instalações, sem reconhecer, contudo, a possibilidade de exercício de polícia ostensiva ou judiciária. (MORAES, 2002, p. 654).

Neste sentido cognitivo, percebe-se que o Estado, entidade delegada do poder do povo, possui o dever de promover o bem estar social, concretizando os anseios humanos através de sua atividade pública, correspondendo com as pretensões do corpo social, mas, especificamente, com o controle social e com a prevenção dos atos ilícitos.

5. O CONTROLE SOCIAL E A VIOLÊNCIA

Diante do quadro hodierno das sociedades contemporâneas, observa-se claramente a importância da violência dentro do contexto social, realidade esta que se revela dramática e intolerável. Contudo, diante da situação fática atual, é possível que o corpo social da maioria dos Estados soberanos estejam vivendo um processo de vulgarização da violência, com sua conseqüente expansão sem regras e previsões, com origem nas instituições públicas, no mercado, nos próprios indivíduos. Dessarte, a violência criminal passa a ter papel relevante dentro do quadro político de um Estado, uma vez que é nesta em que se estrutura a dominação política e o controle social.

Este controle, como já salientado, é exercido por um ente político, dotado de poder e que, com caráter de supremacia, estabelece a ordem e a paz. Assim sendo, caracteriza-se como objetivo do poder, a manutenção da ordem, assegurando a defesa e a promoção do bem estar da sociedade, realizando, assim, o bem público. (AZAMBUJA, 2000, p. 95).

Nesta mesma linha, mesmo no exercício de atividades lícitas e de direitos inegáveis, os homens, pelo simples fato de viverem em comum, devem obedecer a normas legais que devem ser definidas e aplicadas por um poder permanente. (AZAMBUJA, 2000, p. 95).

Assim, cumpre trazer a baila o estudo de Veronese (1999, p. 12) no que diz respeito ao fundamento do Estado como exeqüente do controle social, especificamente do controle da violência na sociedade:

As idéias de Estado e violência em muito estão relacionadas. Hobbes sustenta que é com surgimento institucional do Estado que a humanidade pôs fim àquele modelo de Estado a que convencionou chamar de Estado de natureza, qual seja aquele em que o homem é o próprio lobo do homem. Com o Leviatã, obra de 1615, Hobbes explica a passagem do homem natural para o homem artificial, ao Estado Leviatã. Buscando abandonar esta condição de absoluta insegurança, é que os homens resolveram conceder uma parcela de sua liberdade ao Estado, a bem de que este lhes garantisse paz e segurança. Estava instituído, assim, o que Rousseau mais tarde chamou de ‘Contrato Social’, firmado entre os cidadãos, e a partir desse contexto, é que o Estado foi constituído.

Portanto, coube ao Estado o encargo de organizar os indivíduos em sociedade, estabelecendo regras de convivência, e principalmente fixando sanções àqueles cujo comportamento resultasse em violação do contrato. É exatamente este poder de coerção, que impõe aos homens sujeição ao Estado e às regras por ele estabelecidas. (VERONESE, 1999, p. 13).

Embora a exposição acima tenha cunho contratualista e origem contemporânea, é certo que o Estado atualmente, para executar seus fins, assume determinadas competências, com o objetivo de promover o bem comum:

A quase totalidade dos escritores confunde, infelizmente, os conceitos de fim e competência do Estado [...]. Ora, o que varia sem cessar não são os fins do Estado, é sim a espécie de atividade, os meios empregados, os objetos da ação do Estado para atingir seus fins. A atividade do Estado no que diz respeito aos assuntos e as pessoas sobre os quais ele exerce o seu poder, é a competência do Estado. O fim do Estado é o objetivo de que ele visa atingir quando exerce o poder. Esse objetivo, é invariável, é o bem público. A competência do Estado é variável, conforme a época e o lugar. Assim, o Estado pode chamar a si certos serviços ou permitir que os particulares os executem; mas tanto quando amplia como quando restringe a própria competência, o Estado visa realizar o bem público. (AZAMBUJA, 2000, p. 123).

Tal preceito mostra-se verdadeiro, haja vista o exposto da redação do preâmbulo da Carta Política Brasileira vigente, que afirma que a instituição do Estado democrático do Brasil destina-se a assegurar o pleno exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, a igualdade, a justiça. Indubitavelmente, em síntese, todas estas competências arroladas se resumem a um único fim, o bem público. (BRASIL, 2004, p. 01).

Corroborando a idéia cotejada, bem como reduzindo o espectro de abrangência no que concerne ao controle social exercido pelo Estado, especificamente no que diz respeito ao controle da violência existente no meio social, é certa que o Estado resguardou para si tal competência. Vê-se com mais clareza esta afirmação quando se constata que a Constituição de 1988 determina expressamente que lesões ou ameaças a direitos não serão excluídos da apreciação do Poder Judiciário (art. 5°, XXXV), bem como não há crime nem pena sem prévia cominação legal (art. 5°, XXXIX), e que não haverá privação dos bens e da liberdade sem o devido processo legal (art. 5°, LIV). (BRASIL, 2004, p. 09).

Ainda é possível observar que o Estado guardou para si a competência exclusiva para legislar sobre Direito Penal, esta específica da União, e ainda há competência legislativa concorrente para deliberar sobre Direito Penitenciário, na forma dos artigos 22, I e 24, I, respectivamente, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (BRASIL, 2004, p. 28-32).

Neste caminhar, constata-se que as transmudações ocorridas na história, a partir do abandono do modelo absolutista até a edificação de um modelo considerado democrático e de Direito, consagrou-se o Estado como detentor do jus puniendi, ou do direito de punir, ficando vedado a qualquer cidadão o exercício da justiça privada, ou seja, somente o Estado pode repreender e somente ele pode aplicar as penas. (VERONESE, 1999, p. 12).

Neste diapasão, sendo o Estado detentor único do direito de perseguir e punir cabe a ele combater o crime, que não é um tumor ou uma epidemia, mas um doloroso problema interpessoal e comunitário. É na verdade:

Uma realidade próxima, cotidiana, quase doméstica: um problema da comunidade, que nasce na comunidade e que deve ser resolvido pela comunidade. Um problema social, em suma, com tudo que tal caracterização implica função de seu diagnóstico e tratamento. (GOMES; MOLINA, 2000, p. 331).

Desse modo, sendo o Estado a única entidade dotada de poder soberano, exclusivo titular do direito de punir, concebe-se que tal prerrogativa é genérica e impessoal, uma vez que não se dirige especificamente contra uma ou outra pessoa previamente determinada, mas destina-se à coletividade como um todo. Seria, na verdade, ilógico e de todo inconstitucional a elaboração de uma regra, excepcional e particular, que autorize a punição de específica pessoa. Desta forma, há na verdade um poder abstrato de punir qualquer um que venha a praticar fato definido como infração penal. A partir do momento em que é cometida a infração, este poder, até então genérico, materializa-se, transmudando-se em uma pretensão individualizada, dirigida, especificamente contra o transgressor. (CAPEZ, 2003, p. 02).

Entretanto, faz-se imprescindível ressalvar que o Direito, especificamente no âmbito penal, tem por finalidade não apenas responsabilizar o transgressor da norma, mas também conter ou reduzir a violência estatal, ou seja, o Estado quando intervém para impor o castigo também exerce violência. Desta forma, o Direito Penal existe para disciplinar essa violência, para mantê-la dentro de determinados limites. É por tal fundamento que se argumenta que o Direito Penal objetivo constitui óbice para o direito de punir do Estado, isto é, o Estado tem o direito de punir o infrator da norma penal, no entanto, deve fazê-lo dentro dos limites estabelecidos pela Constituição e pelo Direito Penal objetivo, ou seja, pelo conjunto de regras que disciplinam esse poder de punir. (GOMES, 2004, p. 21).

Incontroverso, nestes ditames, que na atualidade:

Os limites do ius puniendi derivam da própria Constituição. Se o poder de castigar emana da Carta Magna e se realiza mediante normas e decisões judiciais, infere-se que tanto o legislador como os juizes (bem como o intérprete) acham-se vinculados aos princípios, regras e valores constitucionais (liberdade, igualdade, pluralismo, justiça, dignidade da pessoa, racionalidade, proporcionalidade etc.), que já não se apresentam como limites externos, senão como princípios reitores da Política Criminal e do Direito Penal. (GOMES, 2004, p. 33).

Irrefragável neste entendimento que a pena deve ser compreendida como medida de defesa social, como reação necessária e indispensável contra o infrator. Não restam dúvidas que a luta ou reação social contra o delito é imperativo de conservação e sobrevivência da sociedade que, paralelamente, tem o dever de auxiliar o delinqüente no fito de sua reabilitação. (FERNANDES; FERNANDES, 1995, p. 312).

De tal modo, não há como negar que a prevenção é a orientação lógica a ser adotada quando se procura evitar o acontecimento delinqüencial, até porque o controle social exercido pelo Estado não se resume à materialização do seu direito de punir, mas inclui-se entre suas competências medidas preventivas pré-delinqüenciais. Destarte, compreendendo toda uma gama de relações sociais, o ato criminoso é muito mais do que mero acontecimento ilícito de um indivíduo, porquanto, se cuidando deste em suas relações sociais, evidente que se estará colaborando para prevenir o delito. (FERNANDES; FERNANDES, 1995, p. 293).

É certo que será absolutamente inútil retirar os indivíduos um após o outro das situações que produzem criminosos, sem, contudo impedir que essas situações se perdurem no tempo. De fato, é preferível evitar o acontecimento do evento criminoso do que puni-lo efetivamente, antecedendo tal ideal na necessidade indelével de se promover à educação aos homens, a fim de não ter de responsabilizá-los penalmente no futuro. (FERNANDES; FERNANDES, 1995, p. 293).

Não restam dúvidas que, embora medidas preventivas pré-delitivas sejam de fato a ação mais eficiente, visando coibir a prática futura da infração, é certo que nem sempre o Estado, incumbido de promover o controle social, conseguirá impedir a materialização do crime. Assim:

Além disso, é imprescindível que a instrumentação profilático-coibitória-criminal (Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário e Sistema Penitenciário) sejam um esteio da ordem, jamais deixando de respeitar o indivíduo e seus sagrados direitos. É indispensável que tal aparato administrativo possua educação jurídica e que todos os seus passos sejam guiados pelo Direito, pela Moral e pela Justiça. Não sendo assim, esse mecanismo transformar-se-á numa nosologia da vida comunitária, caindo suas ações no domínio da patologia social. (FERNANDES; FERNANDES, 1995, p. 297, grifo nosso).

Neste entendimento, irrefutável é a importância do Estado no exercício do controle da sociedade em seus diversos espectros de análise. Especificamente no que se refere ao controle da violência, incontestavelmente presente na sociedade, o poder público, por intermédio de seus órgãos, atua de forma a reprimir e prevenir a prática criminosa, manutenindo a paz e a ordem social, tudo em respeito e observância estrita ao ordenamento jurídico estatal.

6. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA E A VIOLÊNCIA POLICIAL

Denota-se sem maiores problemas, que os acontecimentos históricos do país, com algumas exceções, sempre tiveram a participação ativa dos aparelhos repressivos do Estado, que a pretexto de garantir a ordem e a segurança, intervinham e influenciavam a própria condução da história. Pode-se citar preliminarmente como exemplo a Independência do Brasil, porquanto, em que pese a existência de fundamentos eminentemente políticos para que Dom Pedro I proclamasse a independência, esta só ocorreu efetivamente com a imposição de uma espada. (VERONESE, 1999, p. 14).

A instituição da República no Estado brasileiro também não fugiu à ação dos aparelhos repressivos estatais. Além do mais, a proclamação da República foi obra dos militares, logo que a instalação do então governo provisório, com a posterior instituição da república, ficou a cargo do Marechal Deodoro da Fonseca, um membro do exército, que mais tarde seria sucedido por outro militar, o Marechal Floriano Peixoto. (VERONESE, 1999, p. 15).

Com o passar do tempo, gradualmente e de forma incisiva, o poder militar foi adentrando ao poder civil e garantindo para si o monopólio da intervenção legítima, constituindo-se em verdadeiro poder político, pretensamente garantidor da ordem, da segurança e da própria instituição democrática brasileira. Convencidos de sua autoridade interventora e atuante, em 1964, os militares alcançam o poder político através de um golpe, impondo uma ditadura militar e todos os rigores de um regime político sem liberdades e de direitos individuais fragilizados. Nas palavras de Borges Filho (1996 apud VERONESE, 1999, p. 15):

Os militares, após o golpe, assumem (como instituição) o papel de condutores dos negócios do Estado, afastando os civis dos núcleos de participação e decisão política, transformando-se em verdadeiros atores políticos, como civis passando a meros coadjuvantes no sentido de dar ao regime uma fachada de democracia e de legitimação do ‘status quo’.

Hodiernamente não mais vivemos sob o comando de uma ditadura militar. A redemocratização do Brasil com início em 1984 trouxe de volta a garantia, ao menos no aspecto formal, do exercício de direitos individuais como o de locomoção e o de liberdade, estes obviamente englobados pelo princípio da dignidade humana. (VERONESE, 1999, p. 16).

A partir de 1985, quando se instaurou o período de abertura política, visava-se restaurar um Estado de Direito dilacerado por anos de repressão política, cujas marcas não desaparecem simplesmente da história, subsistindo, contudo, resquícios do autoritarismo nas relações sociais, configurando um Estado autoritário, embora com feições democráticas. (AMADOR, 2002, p. 62).

Em razão de estes fatos históricos repercutirem na atualidade, Veronese (1999, p. 16) atenta:

Os aparelhos repressivos, entretanto, parecem ainda não estar ‘adaptados’ a este modelo de governo supostamente democrático, cujo princípio básico é o império da Lei e todas as garantias a ela inerentes. As ações desses aparelhos insistem em reproduzir toda uma estratégia de repressão destinada a combater inimigos e não cidadãos. A tradição de arbitrariedade e abusividade no exercício da coerção legítima se perpetua, mesmo sob a égide de um regime democrático e que tem por fundamento a dignidade da pessoa humana, como bem preceitua o próprio artigo 1° da Constituição Federal.

Vale ressaltar que a violência policial, em termos conceituais, pode ser considerada como violência sistêmica, na medida em que os seus efeitos são considerados reflexos do passado político brasileiro. Na análise de Miranda (2003, p. 02) há pelo menos quatro concepções distintas de violência policial:

O uso da força física contra outra pessoa de forma ilegal, não relacionada ao cumprimento do dever legal ou de forma proibida por Lei; o uso desnecessário ou excessivo da força para resolver pequenos conflitos ou para prender um criminoso de forma ilegítima; os usos irregulares, anormais, escandalosos ou chocantes da força física contra outras pessoas; o uso de mais força física do que um policial altamente competente consideraria necessário em uma determinada situação.

Esta violência policial, chamada por parte da doutrina de violência oficial, é definida nas palavras de Herkenhoff (1994 apud SANTOS, 1999, p. 61) nestes parâmetros:

A violência oficial pode ser exercida contra a Lei ou à sombra da Lei. Violências contra a Lei são as prisões arbitrárias efetuadas pelas Polícias: prisões para averiguação, prisões correcionais, prisões por falta de documentos; ou as prisões legais (prisões em flagrante) que se tornam ilegais porque não foi admitida a fiança permitida pela Lei, ou deixaram de ser imediatamente comunicadas ao juiz competente, ou ultrapassaram o prazo previsto. Violências contra a Lei são os interrogatórios obtidos mediante tortura, os maus-tratos contra presos, os espancamentos. A violência oficial contra a Lei pode ser exercida pelo próprio Poder Judiciário, e é talvez mais grave do que a violência policial, porque mais dificilmente remediável: são os decretos injustificados de prisão preventiva; são as prisões que ultrapassam o prazo legal de formação da culpa etc. Violência à sombra da Lei é a prisão em si, um anacronismo em face do estágio atual das mais diversas Ciências Humanas. Violência contra a Lei é a prisão como a temos aqui, que corrompe o corpo e degrada o espírito dos que são por ela vitimados, e é também a terrível incomunicabilidade do preso.

Com efeito, muito embora a sociedade brasileira esteja sob a égide de uma Constituição democrática, a realidade amiúde se distancia da ideologia de Estado e do formalismo do legislador constituinte.

Contudo, é certo que o Estado, seja qual for sua ideologia ou sistemática, é incontestavelmente, fonte repressora. Isso conduz a afirmação de que a única possibilidade de limitar a violência seria concentrando-a, distinguindo-se a violência lícita da ilícita. Ora, se lícita seria somente a violência estatal, necessário se faz um rol de princípios e regras que viabilizem a fiscalização e aplicação deste controle estatal sobre a violência institucionalizada. (PETRY, 2001, p. 109).

Assim sendo, a Organização Policial obteve legitimidade, e alcançou o direito da prática da violência, e seu ofício conformou-se com o um serviço cujo produto se vincula a paz social, isto é, a critérios de produtividade que estão localizados na ausência do crime e, conseqüentemente, de criminosos e de desordem social, resultando na institucionalização e legitimação da prática da violência pela polícia no momento em que ela monopolizou o direito ao uso da força física, na mesma proporção em que ela foi destituída da sociedade. (AMADOR, 2002, p. 54).

Nestes moldes, não é difícil observar a possibilidade de uma ação física do policial, legítima e dirigida ao outro, para que ele retome o curso da ordem e da Lei, contendo a possibilidade de uma violência maior. Essa modalidade de violência diferencia-se da violência ilegítima, a qual possui caráter de arbitrariedade e de supressão do direito do outro. (AMADOR, 2002, p. 56).

Vale dizer que o uso da violência arbitrária, ilegal, ilegítima, estará sempre vedado ao agente do Estado, sobretudo o policial. Já o uso da força, ou seja, o ato discricionário legal, legítimo e idealmente profissional, ainda que intensa, mas desde que proporcionalmente necessária, jamais constituirá violência e logo, é deferida a todos os policiais em dadas circunstâncias fáticas. Diga-se o mesmo quanto ao uso da arma de fogo, que restará autorizado legalmente enquanto último recurso e após a ineficiência dos outros meios. (AMARAL, 2004, p. 17).

O uso comedido e proporcional da força é inerente ao trabalho da polícia. Todo policial precisa saber dessa possibilidade legal para que possa, com tranqüilidade jurídica, exercer função de preservação da ordem pública. O uso legítimo da força não se confunde, contudo, com a truculência, com a violência. De fato, a força legítima, autorizada pela Lei e pelo Direito, pode ser até mais intensa, mais agressiva e mesmo assim, ser mais facilmente aceita que a menor das violências. (AMARAL, 2004, p, 17).

Mesmo diante de tais afirmações, a violência policial é uma modalidade de violência que preocupa cada vez mais os cidadãos, os próprios policiais, os governantes e demais segmentos da sociedade, porquanto de um lado é praticada por agentes do Estado que têm a obrigação constitucional de garantir a segurança pública, a quem a sociedade confia a responsabilidade do controle da violência. Os casos de violência policial, ainda que isolados, corroboram um sentimento de descontrole e insegurança que dificulta qualquer tentativa de controle e pode até contribuir para o surgimento de outras formas de violência. (MIRANDA, 2003, p. 03).

Destarte, é certo que há causas que influenciam na materialização da violência perpetrada por policiais, podendo-se citar alguns fatores que culminam na violência exercida pela polícia, dentre os quais está:

O aumento vertiginoso da criminalidade e, principalmente, da criminalidade violenta e traumatizante, cujo combate inglório leva a um estado de beligerância permanente com mortes e feridos, tanto do lado dos bandidos, como do lado dos policiais. O bandido dificilmente se entrega e, quando é capturado, só confessa os seus crimes quando a polícia usa de violência. Pelo estado de beligerância e pelas mortes e lesões físicas de companheiros, o policial cria dentro de si uma visceral e odiosa animosidade e, quando pega o bandido, e ele resiste, não confessa seus crimes por meios legais e pacíficos, há como que explosão sem freios de toda aquela visceral animosidade e acaba praticando toda sorte de violência e até a morte do detido, em muitos casos inocente. (FARIAS JUNIOR, 1996, p. 193).

Diante destes problemas que tem reflexo imediato no trabalho da polícia, observa-se que:

O mesmo policial que é trabalhador é também pai, mãe, esposo, esposa, cidadão e cidadã de uma nação em crise, em um mundo em crise que parece já ter se acostumado a suportar o insuportável. Portanto, os efeitos-causas da violência articulam-se em um complexo mosaico de contornos nem sempre definido, mas certamente ‘coerentemente’ articulados, de maneira que, ao analisar o recorte específico da violência policial, se está, ao mesmo tempo, considerando a violência urbana, a violência doméstica, a violência do mundo do trabalho, entre outras. (AMADOR, 2002, p. 162).

Dessarte, muito embora não se possa negar a existência de causas que implicam decisivamente na conduta do agente policial, vale ressaltar que a polícia é instituição incumbida de garantir a aplicação da Lei. Logo, cabe a ela adotar medidas legais de proteção à sociedade, bem como a cada um de seus integrantes, não importando se são vítimas ou infratores. Diante disso, cria-se um importante preceito ético da atuação da polícia, pois sendo responsável pela aplicação das Leis, logicamente, não pode valer-se de métodos extralegais para apurar a autoria de infrações, uma vez que sua atuação deve ser pautada rigorosamente pela legalidade. (ZUCCO; FARIAS, 1999, p. 86).

A luz da verdade, armas e pancadas não são a essência do trabalho policial, sequer estatisticamente, mas sim a Lei e o Direito. O policial é, pois, profissional do Direito, operador jurídico, de tal forma que só muita deturpação obscurece tal verdade. (AMARAL, 2004, p. 18).

Nesta mesma linha de análise, o consultor de Direitos Humanos da polícia holandesa, C. Rooke (1997 apud ZUCCO; FARIAS, 1999, p. 87) assim assevera quanto ao assunto:

Não obstante, suas ações deverão estar dentro da Lei e não serão arbitrárias. Os encarregados da aplicação da Lei podem, em tais situações, sofrer ou perceber uma noção de desequilíbrio ou injustiça entre a liberdade criminal e os deveres de aplicação da Lei. No entanto, devem entender que esta percepção constitui a essência daquilo que separa os que aplicam a Lei daqueles infratores (criminosos) que a infringem. Quando os encarregados da aplicação da Lei recorrem a práticas que são contra a Lei ou estão além dos poderes e autoridades concedidos por Lei, a distinção entre os dois já não pode ser feita. A segurança pública seria posta em risco, com conseqüências potencialmente devastadoras para a sociedade.

Assim, com base na legalidade que norteia a conduta dos aplicadores da Lei, entre eles a polícia, verifica-se então que o emprego da força deve atender a outros princípios que pautam suas atividades, quais sejam, os da necessidade e proporcionalidade. Desta forma, o uso da força por parte dos policiais deve ser excepcional, embora se admita que eles estão autorizados a utilizá-la para prevenção de crimes e efetivação de prisões legais. O que os aplicadores da Lei devem fazer é utilizar a força na proporção necessária e causando o menor dano possível à integridade das pessoas envolvidas na ocorrência policial. (ZUCCO; FARIAS, 1999, p. 88).

Isso porque o direito a dignidade humana não provém de posição social, conduta ou outro fator, mas sim do direito natural, logo que tal garantia é elementar a todas as pessoas, e decorre da simples condição de ser humano. Dessarte, todas as pessoas tem o direito de serem respeitadas, independentemente de terem praticado algum ato contrário à Lei ou não. Assim, o objetivo primordial é extirpar da cultura da polícia atitudes tais como a utilização de violência, a prática de tortura, entre outros meios. (ZUCCO; FARIAS, 1999, p. 87).

O direito ao respeito à dignidade da pessoa humana não são antíteses de polícia eficiente, senão de polícia bárbara, violenta, não profissional. Aliás, os policiais que cumprem pena são assíduos reclamantes do seu próprio direito à dignidade. Assim, a autoridade e observância indelével do princípio da dignidade humana não ocorrem em consideração a bandidos e criminosos singularmente considerados, todavia seu império e preservação se devem em função do conjunto de todos os demais humanos, que merecem salvaguarda de seus direitos mínimos, porém essenciais a sua própria existência, e que são garantidos não somente pelo Direito interno, mas também pelo Direito internacional, com virtuais sanções até para Estados violadores e omissos. (AMARAL, 2004, p. 18).

Neste sentido, somente a partir de uma formação humanitária é que se poderá construir o policial cidadão, consciente dos seus deveres e, sobretudo, conhecedor dos limites do seu atuar, e é pela sua ação que poderá promover a crença de que o recurso dos meios legítimos da justiça é ainda o melhor meio de combater a violência e construir a paz. Somente a partir do investimento em uma formação renovadora, democrática e humanizada dos agentes repressores, é que a violência policial cederá lugar ao exercício consciente da função repressiva do Estado. A construção efetiva da democracia depende, fatalmente, desta nova formação, sob pena de perecer muito antes de se tornar uma realidade. (VERONESE, 1999, p. 18).

Desta forma, denota-se impossível estruturar um estado democrático sob as bases ditatoriais, incompatível com a atual concepção de sociedade idealizada pelo povo brasileiro, manifestada expressamente em nossa Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Desta forma, concebe-se que o Policial Competente, aquele com formação pautada na atual dicção Constitucional, que tem como fundamento a dignidade humana, quando em contato direto com o criminoso, deve agir com profissionalismo, exaurindo possíveis condutas violentas, quando desnecessárias, porquanto assim procedendo, estar-se-ia contaminado com o que combate, e igualando-se contra quem combate.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, constata-se sem embargos que o atual Estado democrático de Direito sob o qual vivemos, previsto e estruturado expressamente em uma Carta Constitucional promulgada, representa um ideal ainda não materializado efetivamente. Desse modo, é possível observar que a previsão taxativa de garantias historicamente conquistadas pelo homem, figurando entre estas a dignidade humana, não conseguem se sustentar de fato, uma vez que as próprias instituições públicas incumbidas de aplicar e garantir o Direito posto, entre elas a Polícia, não às observam.

A dignidade humana é fundamento que incide em toda a legislação interna de determinado Estado, uma vez que tal princípio funciona como norte de toda produção legiferante. Neste diapasão, tal princípio não incide apenas no aspecto formal, mas se aplica em toda atuação pública ou privada, sempre em homenagem às bases solidificadoras do Estado democrático de Direito.

Isso porque a dignidade é intrínseca ao próprio homem, é inerente a sua natureza e surge com o início de sua existência. Não se pode olvidar a presença desse fundamento em nossa Constituição vigente, porquanto sua inobservância inelutavelmente acarretará a falência do Estado.

Em razão da incidência do referido princípio em toda a esfera jurídica nacional, constata-se que a dignidade humana não poderia deixar de estar presente na condução dos trabalhos referentes à segurança pública. Logo, os agentes incumbidos de tal função devem executar suas atribuições com observância em tal fundamento, não apenas em respeito ao Estado e ao seu ordenamento, mas em especial consideração à própria instituição imbuída de tal múnus.

Como dito, a instituição policial tem a responsabilidade de pautar suas atividades sob a égide da legislação vigente, que representa, de certa forma, o anseio de determinado corpo social. Sob o princípio da legalidade, a Polícia executa suas atribuições, concretizando o Direito, sempre em respeito às bases estruturantes do Estado, a fim de construir uma sociedade livre de injustiças, confiante nos seus representes e na Lei.

Neste processo cognitivo, concebe-se que a Constituição de 1988, como compêndio normativo que abarca os direitos inerentes a todos e assevera a estrutura e a forma de atuação do Poder Público frente à sociedade, quando não observada, macula o âmbito da conduta do agente transgressor, corroborando dessa forma o sentido e a importância das disposições da Lei Maior. Não há como negar que a Carta Magna deve guiar o futuro de uma nação, para que esta prossiga de forma sólida e segura.

Embora tal ideologia seja a aspiração insculpida no texto normativo da lex legum, não raro observamos atos desvirtuados, arbitrários, desproporcionais, injustos, violentos, propalados por agentes policiais que violam e agridem diametralmente direitos elencados como imodificáveis em nossa hodierna Constituição. Essa prática tornou-se comum nos calabouços das Delegacias ou em qualquer outro lugar em que a truculência pudesse ser concretizada, em efetivo retorno a momentos históricos onde os déspotas, por mera discricionariedade, aplicavam sua vontade.

Percebe-se com isso que a Polícia deve ter como essência de seu trabalho a Lei e o Direito, e não as armas e a força física, esta utilizada em última instância. Destarte, o Policial é profissional do Direito, operador jurídico, e suas atividades se destinam a garantir a ordem pública na convivência dos homens em sociedade. Assim sendo, inegável que os princípios básicos de um Estado de Direito guiam a atividade laborativa da Polícia, que não pode rejeitá-los sob o pálio da conveniência.

Espera-se sempre que os agentes policias, representantes da entidade, como efetivos aplicadores da Lei, estejam preparados para controlar sua conduta em situações concretas de tensão. Não basta estarem treinados para atirar com exímia precisão ou habilitados para se valerem dos meios violentos de coerção, mas devem acima de tudo estar capacitados para pressupor a precisão mental dos controles seletivos das hipóteses juridicamente permissivas.

É certo que os Estados tem a responsabilidade de proteção do direito à vida, à dignidade, a integridade, à liberdade e à segurança pessoal quando outorgam aos encarregados da aplicação da Lei, no caso a Polícia, a autoridade legal para o uso da força. Assim, é a própria Lei que define as circunstâncias sob as quais a força pode ser enveredada, bem como os meios que podem ser utilizados em uma ocorrência singular e concreta.

É sob este espectro cognitivo que a atividade policial deve ordenar sua conduta profissional, reformulando assim o seu papel institucional. Destarte, vem a lume a indispensabilidade do agente policial possuir condicionamento científico e psicológico, para então se posicionar livremente avesso à violência, à agressividade, firme, convicto de seu trabalho, integrado na sociedade. Apenas desta forma será obtida a condição de exercer seu papel de guardião dos direitos individuais e coletivos, atuando como membro indelével de proteção e prevenção, sob pena de ser ineficiente.

O princípio da dignidade humana dita as atividades tantos dos particulares como das entidades públicas, que devem executar suas atribuições com enfoque em tal fundamento. Transgredi-lo não significa apenas responsabilização por crime ou infração disciplinar, mas ataque direto e atroz a toda a humanidade e conseqüentemente ao Estado de Direito.

Apenas a profissionalização consciente e esclarecida dos Policiais pode ser a efetiva solução para a violência Policial. Sendo a função precípua da Polícia a civilização, somente a ausência do caráter profissional, de formação ética mais sólida, pode comprometer tal objetivo. A ignorância, a prepotência, a falta de humanismo, ou seja, a carência de consciência do valor supremo da dignidade do homem, compromete não só o próprio agente policial, mas toda a corporação, que tem sua visibilidade e credibilidade depreciada.

É preciso também que existam modificações estruturais na própria instituição policial, com enfoque no caráter humano do agente policial. Fatores como a motivação, melhoria salarial, melhorias na assistência social, melhorias na assistência médica, odontológica e jurídica e reconhecimento daqueles que se destacam em suas atividades são quesitos de bom alvitre que merecem maior atenção por parte das entidades incumbidas de promover a segurança pública.

Não bastam severos exames psicotécnicos para detectar desvios de ordem psicossocial dos pretendentes de cargos policiais. É preciso reconstruir, modernizar e uniformizar os currículos dos cursos de formação de policiais, adequando-os aos avanços implantados no Brasil com a Constituição de 1988, dando ênfase ao Direito e às noções básicas da atividade policial, reduzindo as cadeiras das matérias de cunho eminentemente militar.

A formação Militar, que é fundamentalmente profissional da guerra, não deve ser confundida com a formação do Policial, porquanto o mais cruel dos bandidos não é inimigo mortal a ser eliminado, senão a ser preso. A essência da guerra é a eliminação do inimigo; a essência da missão Policial é preservar a ordem pública e prender o criminoso tão somente. Essa confusão na Constituição e na rotina da Polícia pode explicar parte da crise do sistema de segurança pública do Brasil.

Nesses parâmetros, iniludível que os direitos humanos, em especial a dignidade humana, é o ponto nevrálgico da instituição policial, logo que constitui conseqüência lógica e automática do desenvolvimento e vivência do Estado democrático de Direito em que vivemos.

Desta forma, concebe-se que o Policial Competente, aquele com formação pautada na atual dicção Constitucional, que tem como fundamento a dignidade humana, quando em contato direto com o criminoso, deve agir com profissionalismo, exaurindo possíveis condutas violentas, quando desnecessárias, porquanto assim procedendo, estar-se-ia contaminado com o que combate, e igualando-se contra quem combate.

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