"Ataques em Salvador fogem à lógica criminosa"
Tássia Correia, da Agência A TARDE
Os ataques que grupos criminosos estão desfechando, desde a última segunda-feira (dia 7) a módulos policais em Salvador fogem à lógica da própria ação criminosa, segundo análise de um dos maiores especialistas em segurança pública do Brasil, Carlos Alberto Costa Gomes*, do Observatório de Segurança Pública da Bahia, lembrando que o normal, quando um ílider de quadrilha é transferido, é que os comandados se digladiem pelo comando do grupo. Em entrevista, ele reconhece que há uma negligência “histórica” do governo da Bahia, em relação ao crescimento dos índices de violência e diz que se forem comparadas as taxas de homicídios por habitantes do Rio de Janeiro às registradas em alguns bairros de Salvador, dá para dizer que, proporcionalmente, a situação da capital baiana já é muito semelhante ao quadro existente no Rio. A seguir, leia a íntegra da entrevista:Quais seriam as causas essenciais dos ataques a ônibus e postos policiais que vem acontecendo em Salvador essa semana?
Essa é a pergunta mais terrível que poderia ser feita. Eu e outros professores não conseguimos chegar a um consenso sobre o que está acontecendo. Por que isso, em Salvador, hoje foge à lógica criminosa. Se o líder de uma quadrilha é transferido, é afastado da sua área de atuação, o normal é que as pessoas daquele grupo se digladiem entre si. Como aconteceu quando tiraram outros traficantes daqui. O normal é eles lutarem entre si. Eu nunca vi um comportamento onde passassem a agredir a polícia.
Veja, não é que não existe na história brasileira ataque de criminosos contra a polícia, existe. Rio de Janeiro é um exemplo disso. Mas a polícia é atacada quando entra no território deles. Eu nunca vi um ataque gratuito a polícia. É quase, como se os membros dessa quadrilha resolvessem se imolar. Atacar a polícia é um ato de suicídio. Pois, atrás da polícia, existe uma força infinita. É o braço armado da sociedade, a sociedade não vai ficar acuada.... vai usar a polícia, vai usar as Forças Armadas... Ataque à polícia não vai acuar ninguém. E os bandidos sabem disso. Inclusive eles experimentaram isso em São Paulo, quando daquela ração insana do PCC (Primeiro Comando da Capital) e no final das contas o prejuízo foi deles, pois hoje São Paulo registra queda no índice de homicídios e houve reforço policial.Mas nesse caso, em Salvador, não seria uma “queda de braço”? Haveria essa preocupação com as conseqüências de se atacar a polícia?
Veja bem, nós estamos falando de dois níveis da ação criminosa. Daquele que deu a ordem, que dirige a ação – e esse é pensado, do nível de quem executa. No segundo caso, realmente, as coisas fogem completamente ao controle. A partir de determinando momento, a coisa adquire uma dinâmica própria. Uma das dificuldades que se tem quando se começa uma ação violenta é conter essa violência. É muito difícil restabelecer o controle, pois violência controlada não existe.Que medidas, então, o senhor aponta para conter esse aumento da violência na Bahia?
Uma coisa é você pensar nas raízes, nas origens e no tratamento a longo prazo. Outra coisa é a medida imediata. Não existe diálogo com quem está atirando, jogando fogo nos ônibus. Você não vai dizer, “por favor vamos deixar de fazer isso”. A reação deve ser à altura. O enfrentamento da violência só se dá com violência. Então, o que vai acontecer agora é um controle dessa criminalidade através do uso da violência.Por outro lado, nós temos as decisões que foram tomadas na Conferência Nacional de Segurança Pública que apontam uma direção. Eu gosto de destacar que tem que haver prestação de contas das políticas públicas de segurança. As estatísticas sobre crimes têm ser publicadas. Outra coisa é que o policiamento tem que interagir com a sociedade. As decisões têm que ser tomadas a partir da sociedade. Desde sempre, até hoje, nenhuma das formas de policiamento adotadas em Salvador conseguiu alterar a razão de crescimento da criminalidade. Os princípios e direções foram traçados, a questão é se existe vontade e força política para implementar essas diretrizes.Qual sua avaliação do sistema de segurança pública no Estado?
O pessoal pensa que segurança pública é “reagir a um ato criminoso”, é você prender um criminoso após ele cometer um crime. Isso realmente faz parte do conceito de segurança pública, mas é uma parte muito pequena. São necessárias ações proativas, ou seja, a favor da segurança pública; ações preventivas, que são pra evitar que se perca a segurança pública; e ações repressivas, o que nós chamamos de a fase das polícias. Que é a captura da alguém que cometeu um crime e, veja só que hipocrisia disso, ele ser julgado, condenado e preso para ser educado e reintroduzido na sociedade. Mas nós sabemos que nossos presídios são as verdadeiras escolas do crime.O governador da Bahia, Jaques Wagner, apontou que essa seria uma reação dos criminosos à transferência do traficante Cláudio Campanha para a penitenciária federal de segurança máxima de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. O secretário de Segurança Pública, César Nunes, afirmou em entrevista coletiva que já sabia que ações desse tipo poderiam acontecer. Houve negligência por parte do poder público?Olha essa negligência é histórica. Não ficou do jeito que está nesse governo ou no governo anterior. Essa desestruturação urbana, essa falta de civilização não começaram agora. Por outro lado, se alguém sabia que ia acontecer, eu acho estranho esse discurso, porque há pouco tempo atrás se dizia que não ia acontecer; que na Bahia não existia toque de recolher, que não existiam territórios dominados. Esse é um discurso de pouco tempo atrás.Eu acredito que não foi nesses últimos três meses que isso tudo aconteceu. Eu acho que, tão estranho quanto o que está acontecendo, é alguém dizer que esperava. Quem atira num posto policial é uma pessoa que sabe que vai ser caçado. Quer dizer, é uma coisa totalmente inusitada. Eu nunca vi um bandido que estivesse disposto a atacar um posto policial ao invés de continuar fazendo as coisas erradas que já vinha fazendo. Embora o crime sempre me surpreenda pelas suas diversas mutações, esse é um comportamento bastante inesperado.A situação em Salvador poderia de algum modo ser comparada à do Rio de Janeiro, no que se refere a ação do crime organizado?
Quando pensamos no Rio de Janeiro e lembramos daquelas cenas onde o helicóptero da policial passa atirando e traficantes devolvem tiros contra helicóptero, a magnitude do fato se mostra maior. Mas, veja bem, eu trabalho com números, dados estatísticos fornecidos pela própria polícia para não haver questionamento. Se compararmos a taxa de homicídios por habitantes no Rio e em Salvador, percebemos que, proporcionalmente, as situações são semelhantes. O que acontece é que a dimensão de uma cidade como Rio é maior. Outra coisa que pode ser considerada é que nós temos uma taxa de homicídios elevada, mas que se concentra em certas regiões. Se na Barra, na Pituba (bairros de classe média e alta) é zero, é porque há bairros onde talvez essa taxa seja muito mais elevada que no Rio de Janeiro. O que eu lamento é que a Secretaria Nacional de Segurança pública deixou de publicar esses índices de criminalidade por Estado.
A transferência de líderes de quadrilhas para presídios de segurança máxima em outros estados é solução?
Eu diria que ajuda dentro desse contexto em que o Estado é incapaz de controlar seus agentes para impedir a comunicação entre o preso e o tráfico. Basta lembrar o caso do “Perna” (traficante baiano transferido no ano passado para Penitenciária Federal de Catanduvas, no Paraná), que foi “preso dentro da prisão” e na cela foram encontradas pistolas. Até da fechadura da cela ele tinha a chave. A transferência nesse contexto ajuda. Mas é o triste reconhecimento de uma ineficiência do Estado.
*Carlos Alberto Costa Gomes é professor do Mestrado e Doutorado em Planejamento do Desenvolvimento Regional e Urbano (PPDRU) da Universidade Salvador, Coronel R1 do Exército Brasileiro, ex-comandante do 1º GAAAE na Vila Militar do Rio de Janeiro, onde coordenou o Centro Comunitário de Defesa da Cidadania na Favela de Acari, entre 1998 e 1999.
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