Falcão – Meninos do Tráfico é um documentário sobre pessoas que talvez nem façam parte da estatística, só depois que morrem. Oferece uma visão realista do tráfico de drogas nas favelas cariocas, para que nós não continuemos ignorando quem vende, quem compra, quem morre e quem mata.
Falcão é o jovem que vigia e protege os traficantes, a "boca" e os moradores da comunidade, é aquele que está no tráfico noturno. Não dorme, e para manter-se acordado, na sua grande maioria, faz uso de drogas.
Geralmente são menores que vendem a droga no varejo, droga para eles é sinônimo de dinheiro, e dinheiro é a solução para todos os males. Fazem alusão a dois tipos de "carga" – mercadoria, "carga de pó" e "carga de maconha". Eles têm consciência de que o que vendem estraga a vida das pessoas, principalmente o crack, mas é vendendo o crack que eles ganham dinheiro.
Começam cedo a distribuir a droga e vão até a madrugada. Eles tem que ficar num ponto estratégico da favela, contam com a ajuda dos "fogueteiros", que são jovens que "trabalham" no tráfico e sinalizam usando foguetes quando a polícia vai ao morro e os inimigos dos traficantes também.
Quando estoura o "12/1" na favela é porque a polícia está entrando. Os meninos usam também sinais, como passar a mão na barriga, para avisar. Precisam ficar em estado de alerta o tempo todo, o cuidado é excessivo, para que não sejam localizados e mortos ou presos.
- Falcão não dorme, nunca descansa... quem é viciado, fica na "onda"! O cansaço é extremo, é a droga que os mantêm acordados: Tem que dar um "teco" – cheirar cocaína.
A polícia para eles é o inimigo maior, mas pode ser também aliada, para ignorar o que acontece nas favelas: "Se acabar o crime, acaba a polícia", dizem eles, fazendo alusão ao recebimento de propinas por parte de policiais, para "melhorar o salário deles". Então preconizam que o tráfico não vai acabar tão cedo!
O objetivo com o que ganham no tráfico é: Ajudar a mãe, quase sempre uma mulher abandonada pelo companheiro, comprar roupas de "grife" famosa, sustentar o vício e freqüentar bailes funks, para "pegar" as "cachorras", jovens que se expõem nos bailes, dançando de maneira sensual.
As armas exercem um enorme fascínio sobre estes jovens, que as define como algo que os protege, dá respeito e atrai as meninas, para eles é um instrumento de poder portar um fuzil ou uma pistola.
Foi interessante observar que tratam os mais velhos da comunidade com respeito, à exceção daqueles que os delata "X-9", para estes não importa a idade, a sentença é uma só: A morte.
Eles acham que não fazem parte da sociedade, que o morro é um caso à parte. Acham que não são nada e que estão ali para tudo, para o que vier. Não parecem ter medo de qualquer força de repressão, estão ali para enfrentar, para matar ou morrer, e a morte é vista como uma conseqüência natural para quem vive do tráfico.
Mantêm certo assistencialismo para com os moradores da favela, compram gás, brinquedos, ajudam na construção dos barracos, enfim, compram o silêncio trocando por mercadorias, doam o caixão também...
A delação é o pecado mais grave que um favelado pode cometer, o delator é o X-9, sua morte deve ser violenta para servir de exemplo, são torturados e queimados vivos, nos "microondas", feitos com pneus, onde é introduzida a pessoa e depois é ateado o fogo.
É interessante observar que estes meninos do tráfico sequer têm conhecimento de onde parte a mercadoria que vendem. Dividem na favela e depois vão para pista vender, tem uma verdadeira linha de produção artesanal para o manejo com a droga, preparada para venda.
Tem traficante que não fuma, não cheira e nem bebe, e chegam a entender que não deveriam estar lá, no morro, culpam o governo pela má distribuição de renda (em outras palavras) e queriam saber para onde vai "o dinheiro do Brasil".
Queixam-se do "pouco estudo" e de alguns que nunca tiveram acesso a uma escola, acham que são discriminados por isso e que seu único recurso de sobrevivência é vender drogas. Alguns nem se consideram "bandidos", e acreditam que estão fazendo isso para ajudar a família.
É interessante o fato de que não concebem a idéias de um filho viciado, mas quando são perguntados o que querem ser quando forem adultos a resposta é certeira: Quero ser bandido!
Dinheiro e poder é o que a companhia de um bandido (Fiel) traz para estes menores, segundo a concepção deles. O "Fiel" é mais importante que os outros amigos, mais importante que os pais, parece existir uma nova estrutura de autoridade para estas crianças – "...onde a bala come, a lei é a do cão"...
Quando uma mãe relata algo sobre a vida do filho, recentemente morto pela polícia, diz o que se espera ouvir: "ele era carinhoso, de repente tornou-se agressivo e não quis mais estudar", ela mostra fotos, roupas que serão doadas, e de cabeça baixa soluça, chorando de saudade.
Um amigo deste garoto que foi morto foi o único que sobreviveu depois do documentário ter sido concluído. Somente ele acalentava um sonho: O sonho de ser um palhaço e trabalhar num circo... bem grande.
Na favela, as crianças desde cedo conhecem a gíria do tráfico, este linguajar paralelo e brincam encenando atos da boca de fumo e da polícia, divertem-se atirando nos X-9 e fingindo estarem usando drogas.
Alguns já adultos e com seqüelas de tiros e brigas, encontram um outro caminho e buscam uma outra maneira para sobreviver, queixam-se que o governo não pratica um salário digno e se fosse assim, a criminalidade não acabaria, mas segundo eles, diminuiria bastante.
O autor termina o documentário externando que nem ele sabe o verdadeiro motivo para explanação destes fatos, talvez para dar oportunidade à reflexão sobre um "Brasil" que muitos não conhecem, e que está virando um Monstro.




Conclusão

"A Criminologia é um conjunto de conhecimentos que estudam o fenômeno e as causas da criminalidade",
a personalidade do delinqüente e sua conduta delituosa
e a maneira de ressociálizá-lo" (Sutherland).
Um Brasil que está virando um monstro!
Um monstro que está engolindo as nossas crianças e levando-as para o interior de covas rasas em cemitérios de periferia. Que está ceifando suas infâncias e condenando-as a uma vida criminosa numa idade tão tenra.
Quem criou este monstro? Quem o alimenta? Porque a sua sobrevivência e o seu domínio se estendem a passos tão largos? Como entender este Brasil em cujo ventre tem outro Brasil, menor, e se tornando tão poderoso?
De alguns anos para cá, temos observado que a delinqüência juvenil tem crescido muito e que o perfil do bandido também tem mudado bastante aos olhos da população. Na sua grande maioria, ou são monstros que deveriam sofrer a pena de morte, ou são pobres coitados, vítimas de um sistema falido.
A polícia, antes protetora da sociedade tem sido constantemente acusada de cometer excessos e de receber propinas e quando se fala em policiais, são esquecidos os profissionais sérios, que arriscam suas vidas adentrando em favelas em meio a um fogo cruzado com o tráfico.
Esquece-se também, que este trabalhador, sequer pode usar sua farda em alguns locais, mesmo onde moram, porque seu valor é infinitamente menor que o do dono da boca de fumo e seus afiliados que praticam assistencialismo nas favelas. Será que as "crianças do tráfico" só conhecem policiais corruptos?
Houve uma mudança muito grande na antiga escala de valores, que tinha o policial como protetor, mas foi principalmente no conceito e formação da família que a mudança foi tão desastrosa.
De quase todas as crianças ouvidas neste documentário podia-se perceber a revolta pela ausência do pai, da falta da estrutura familiar completa, que as orientasse, lhes desse o carinho e o aconchego de um lar.
E a revolta é um grande, senão o maior indutor á criminalidade.
Falta o lastro que uma família bem estruturada oferece a uma criança, mesmo uma família pobre, mas que cultive valores e passe-os para seus filhos. De quem é a culpa? Esta falta leva a delinqüência juvenil?
Com a revolução sexual pós anos 60, com a disseminação e uso da pílula, o número de separações aumentou consideravelmente. O casamento, outrora uma estrutura basilar, foi banalizado, e na grande maioria, passou a ser apenas enquanto não aparece o menor problema. O homem desaparece e a mulher passa a ser chefe da família, acumulando funções de pai e mãe, e quase sempre não dá conta disso.
Não foi um caso somente apresentado de revolta pela falta de um pai, provedor, autoridade familiar e fonte de carinho para os filhos, que motivou a ida destas crianças para serem escravos do tráfico de droga nesse documentário.
Além desta mudança nos valores da família e da sociedade, podemos atribuir também à péssima distribuição de renda que penalizou nosso país por tantos anos. Salários aviltantes, nem de longe dignos para prover o sustento razoável de uma família. Outro grande motivo para indução à criminalidade.
O Consumismo também, fruto maior da globalização, que planta na cabeça dos jovens idéias do poder através do consumo. Se a criança não tem as últimas novidades para apresentar na comunidade, na escola, aos seus amigos, seu conceito de gente, de humano, é inferiorizado.
Pode parecer uma posição retrograda criticar esta mudança na escala de valores sociais, com referência a família, a religião, ao sexo, hoje banalizado, que levou a gravidez precoce e não planejada, o consumismo, mas percebe-se claramente, como estes fatores foram preponderantes na opção que aqueles jovens fizeram para vir a ser os Meninos do Tráfico nas favelas do Rio de Janeiro.
Aliados a estes fatores, o desemprego, a educação de má qualidade (ausência de um projeto sério de escola integral), também foram apontados como causa para que aqueles meninos tenham adentrado a criminalidade.
E uma vez dentro daquele antro, como foi dito por uma mãe: "eles se tornam agressivos e perdem o gosto por estudar, perdem o medo da morte e a esperança da vida".
Sua conduta é a que torna possível a sua sobrevivência.
E a maneira de ressocializá-los?
- Uma família estruturada, boa alimentação, escola, morada digna, muito amor e carinho, Deus, para sustentar-lhe o espírito.
Quem pode suprir isso e de que maneira? O Governo? Em parte, talvez. As ONGs? As entidades religiosas? Também ajudam. Porém, não é um problema que se vislumbre uma solução a curto/médio prazo. Deixando de lado demagogias e soluções utópicas, alternativas existem, que podem amenizar o caos, não extingui-lo.
Creio que pessoas de boa índole, ainda têm muitas lágrimas a derramar assistindo documentários como este, pessoas que se sentirão impotentes para fazer alguma coisa por este Brasil que dificilmente "Mostra a sua Cara", porque não é a "Face" que nós gostamos de ver. Nela está estampado o ódio, a revolta e a dor, de crianças sem futuro – como os Falcões, das favelas cariocas.
Rosany Mary Souza
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Resenha Do Documentário: Falcão, Meninos Do Tráfico publicado 1/05/2008 por Rosany Mary Souza em http://www.webartigos.com

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