Proteção Balística Individual
Rodrigo Victor da Paixão - Cap PM*
A
primeira utilização, pelo homem, de algo semelhante ao que hoje nós
conhecemos como proteção balística, foram as peles de animais, usadas ainda
pelos primitivos para se proteger das garras e presas dos predadores. Muito
depois, surgiram os escudos, feitos de peles no início, e então de materiais
rígidos: os metais. Os metais também foram usados pelos romanos na proteção
do corpo, como placas peitorais, e depois como armaduras de corpo inteiro na
idade média. Com o advento das armas de fogo (por volta de 1500 d.C), as
proteções existentes tornaram-se obsoletas e logo perderam espaço.
A
proteção balística flexível, como hoje conhecemos, teve suas origens ainda
no Japão medieval, onde os guerreiros usavam peças confeccionadas em seda para
se proteger do fio das espadas e das flechas inimigas. Somente no século XIX é
que os americanos tentaram utilizar a seda com fins de proteção balística,
contudo, esta se mostrava efetiva contra os projéteis de baixa velocidade (em
torno de 100 a 150 m/s) das armas usadas até então, e ineficazes contra a nova
geração de armas raiadas, que atingiam mais de 200 m/s. Além disso, o custo
da seda era altíssimo - o equivalente a 2.500 reais de hoje - por unidade.
A
próxima geração de material balístico viria durante a Segunda Guerra
Mundial. O nylon balístico era eficiente contra fragmentos de projéteis e
explosões, mas não detinha a maior parte dos projéteis de pistolas e fuzis.
Além do quê, eram extremamente grandes e desajeitados, mal servindo para fins
militares.
Os
anos 60 trouxeram maus fluidos para os policiais americanos. O número de
policiais mortos em serviço cresceu assustadoramente, e o governo tomou
providências (Ah! Se aqui no Brasil fosse assim...). Mais de três milhões de
dólares foram gastos em pesquisas para se desenvolver um material que atendesse
às necessidades dos policiais.
Materiais
Balísticos
Curiosamente,
a resposta surgiu na DuPont (aquela da lingerie), que tentava desenvolver um
tecido que substituísse o aço dos pneus de veículos, fabricado de fibra de
aramida. Procurados pelo governo, testes foram realizados com o Kevlar®, que
acabou sendo adotado como o material balístico padrão por muitos anos. Várias
versões do Kevlar® foram usadas desde então, entre elas, o Kevlar®29, o
Kevlar®129, o Kevlar®Correctional (que protege também contra facas e
estiletes) e, por último, em 96, o Kevlar®Protera.
A
Allied Signal, outra empresa americana, fabricou uma fibra de polietileno ultra
fina e resistente, batizada de Spectra®, que deu origem ao material denominado
Spectra®Shield (shield significa escudo, em inglês). A mesma Allied Signal
desenvolveu também um material derivado de aramida, chamado de Gold Shield®.
Outros derivados surgiram, como Gold Shield® LCR e Gold-Flex®.
Outro
derivado de fibra de aramida foi desenvolvido por Akzo Nobel, e denominado
Twaron®, bem como das Netherlands surgiu o Dyneema®. De propriedades
similares, estes materiais apresentam sutis diferenças de peso, cor,
flexibilidade e custo. É importante saber que estes materiais não são
utilizados somente na confecção de coletes a prova de balas, mas também em
capacetes, cordas, roupas, na aeronáutica e outros.
A
última fibra balística a ser desenvolvida foi criada no Japão, e recebeu o
nome de zylon. Esta fibra apresenta grandes inovações em termos de peso,
ventilação e flexibilidade, mas não foi ainda totalmente testada e aprovada
pelas maiores polícias do mundo.
Colete
Zylon
Outras
tecnologias são utilizadas na confecção de materiais balísticos, para obter
resultados de conforto e impermeabilidade, como é o caso do GoreTex® e CoolMax®.
No fabrico de proteção balística rígida, os materiais são moldados através de resinas, dando forma aos capacetes, escudos, joelheiras e caneleiras. Nos equipamentos rígidos, os níveis de proteção também obedecem a norma citada abaixo.
No fabrico de proteção balística rígida, os materiais são moldados através de resinas, dando forma aos capacetes, escudos, joelheiras e caneleiras. Nos equipamentos rígidos, os níveis de proteção também obedecem a norma citada abaixo.
Como
é feito e como funciona
Uma
placa balística flexível é confeccionada sobrepondo-se camadas de material
balístico e outros materiais, dependendo do efeito desejado. Essas camadas são
costuradas firmemente umas às outras. Depois esta placa, ou painel balístico,
é inserido dentro de uma capa, feita de tecido comum de acordo com o padrão de
uniforme da instituição específica.
Basicamente,
os diversos materiais balísticos atuam da mesma forma. Quando o projétil se
choca contra a veste, ele é pego em uma rede de fios finos e resistentes, que
freiam o movimento giratório do projétil e fazem-no se deformar. Assim, além
de impedir a penetração, a veste ainda distribui a força do impacto por uma
área bem maior, anulando, ou melhor, diminuindo os efeitos da transferência de
força cinética para o corpo, ou o blunt trauma, como é chamado. Para ter
efeito contra os calibres de grandes velocidades, como o 7,62 mm, o 5,56mm e o
30-06, é necessário reforçar a veste com uma placa rígida que distribui
melhor o impacto, geralmente confeccionada em cerâmica.
Os
materiais balísticos, na forma dos coletes, não protegem somente contra
projéteis. São inúmeros os casos de policiais que sobreviveram a acidentes de
trânsito graças aos coletes balísticos. Determinados materiais protegem
também contra instrumentos perfurantes, como é o caso do Kevlar®Correctional,
usado por carcereiros nas penitenciárias americanas.
Níveis
de Proteção
Os
níveis de proteção das vestes balísticas são definidos pela NIJ Standard
0101.04. Esta norma, editada pelo National Institute of Justice, um departamento
do Ministério da Defesa dos Estados Unidos, foi aceita internacionalmente como
um padrão de níveis de proteção balística. Veja a tabela:
Outro
tópico de extrema importância observado pela NIJ Standard 0101.04 é a
deformação da veste diante de um impacto, isto é, a proteção oferecida
contra o blunt trauma. Os testes são feitos efetuando-se disparos contra uma
placa balística colocada sobre plastilina, uma massa de consistência
semelhante ao corpo humano. Os coletes de nível III acima necessitam do
reforço das placas de cerâmica para redução do blunt trauma.
A
tabela acima foi simplificada, pois ainda são considerados: o tipo de
projétil, o ângulo dos impactos, a incidência de impactos por cm² , a
resistência à umidade.
As
expressões "modelo" e "estilo", são meras convenções dos
fabricantes para identificar uma veste: elas se referem à abrangência da
placa, à forma de fixação, á quantidade de bolsos, etc. Para o policial, a
configuração da placa, isto é, a abrangência do colete, é tão importante
quanto o nível de proteção.
Escolhendo
o nível e modelo apropriado
Alguns
pontos devem ser observados na escolha do modelo e estilo de um colete:
-
A abertura do pescoço não pode ser muito alta, nem a placa frontal muito longa, para não enforcar o policial ao sentar;
-
As alças do ombro devem ser largas, mas não o bastante para restringir os movimentos;
-
Os furos do pescoço e braços devem ser amplos, para garantir flexibilidade e conforto, sem contudo comprometer a proteção;
-
As placas devem ser ajustáveis, para que o colete não se deforme ou surjam espaços vazios entre os painéis. As placas frontal e traseira devem se sobrepor;
-
Para mulheres, a placa frontal deve considerar o volume dos seios, para manter o conforto;
-
O peso deve ser o menor possível.
Uma
vez que os coletes balísticos são tanto mais pesados e incômodos quanto maior
for o nível de proteção, não é sensato adotar um colete nível IV para toda
a força policial. Afinal, um policial empregado no policiamento a pé não
conseguiria envergar por seis horas um colete que pesa em torno de dez quilos.
A
maneira mais científica de se selecionar o nível de proteção apropriado é a
análise estatística das ocorrências envolvendo armas de fogo. Apesar de não
dispormos de dados concretos (nossas polícias não fazem estatísticas),
poderíamos afirmar que a grande maioria dos disparos sofridos por policiais é
de calibre .38 S & W ou inferior, portanto, o nível apropriado seria o II, para uma
guarnição de radiopatrulha.
Outra
forma, menos científica porém coerente, é determinar o nível de proteção
pela arma que o próprio policial está usando. Isto porque a arma de porte
indica o que o policial espera encontrar pela frente, além do que o número de
policiais morto pela própria arma é relevante: nos EUA, o percentual chega a
16%. Olhando desta forma, a escolha do nível II para o radiopatrulhamento se
confirma, enquanto que para um grupo especial cuja arma básica é um fuzil
calibre 7,62, o nível III seria o mais indicado.
Cuidando
do seu colete
As
capas dos coletes balísticos podem ser lavadas como uma roupa comum. É
conveniente não usar alvejantes nem secar ao sol, para não desbotar.
As
placas podem ser lavadas com um pano ou esponja úmida e detergente, mas nunca
submersas em água. Solventes ou produtos à base de álcool jamais poderão ser
usados. A secagem deve ser à sombra.
Uma
inspeção visual deve ser feita semanalmente, a fim de identificar defeitos ou
desgastes nas placas balísticas. Ao serem retirados do corpo, os coletes devem
ser colocados sobre uma superfície plana ou em cabides, para que não se
deformem. Este é, aliás, um dos grandes problemas nos coletes mais novos que,
por serem altamente flexíveis, deformam-se com facilidade quando não cuidados
devidamente.
Lembre-se
que o material balístico é como um tecido: ele se desgasta, relaxa, afrouxa as
malhas e envelhece. Se bem cuidado, um colete excede em muito tempo o seu prazo
de validade normal, especificado pelo fabricante. É o cuidado na manutenção
que dita a validade do colete. A DuPont já testou coletes com mais de oito anos
de serviço e constatou que eles mantinham as mesmas características originais.
Por outro lado, coletes com dois anos de serviço mostraram-se inservíveis por
falta de cuidado. O ideal, portanto, é retestar os coletes depois de três a
cinco anos de uso.
Porque
usar um colete?
Eu
mesmo já protestei contra o uso constante de coletes à prova de balas. Sempre
achei os coletes incômodos e quentes. Nos dias de hoje, contudo, o colete se
tornou parte indispensável do equipamento policial em qualquer circunstância.
Responda à pergunta abaixo e tire suas próprias conclusões:
"Se
você pudesse fazer algo capaz de aumentar em 14 vezes suas chances de
sobrevivência num confronto, você faria?"
Se
a sua resposta foi sim, então use um colete à prova de balas!!!
Este
artigo é dedicado à memória do SD PM Adevone Mesquita da Silva, meu
companheiro do BPMChoque em muitas ocorrências e amigo para todas as horas. Que
Deus o receba com todas as honras que lhe são devidas.
Baseado
em : Selection and Application Guide to Police Body Armor - NIJ Guide 100-01.
U.S. Department of Justice.
*O autor é Capitão da
Polícia Militar do Estado de Goiás, ex-comandante do GATE e lotado na Sup. de
Segurança do Governador. Atualmente está no Haiti a Serviço da ONU em missão
de Paz. É instrutor de vários cursos de especialização da
PM e é também o instrutor-chefe das disciplinas operacionais da Self Defense -
Centro de Formação de Vigilantes. (Este artigo é assunto de uma das aulas de
Técnica Operacional da Self Defense).
http://selfdefense.com.br/artigos/protecaobalistica.htm
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