terça-feira, 19 de abril de 2016

Proteção Balística Individual - Rodrigo Victor da Paixão - Cap PM*

Proteção Balística Individual
Rodrigo Victor da Paixão - Cap PM*
A primeira utilização, pelo homem, de algo semelhante ao que hoje nós conhecemos como proteção balística, foram as peles de animais, usadas ainda pelos primitivos para se proteger das garras e presas dos predadores. Muito depois, surgiram os escudos, feitos de peles no início, e então de materiais rígidos: os metais. Os metais também foram usados pelos romanos na proteção do corpo, como placas peitorais, e depois como armaduras de corpo inteiro na idade média. Com o advento das armas de fogo (por volta de 1500 d.C), as proteções existentes tornaram-se obsoletas e logo perderam espaço.

A proteção balística flexível, como hoje conhecemos, teve suas origens ainda no Japão medieval, onde os guerreiros usavam peças confeccionadas em seda para se proteger do fio das espadas e das flechas inimigas. Somente no século XIX é que os americanos tentaram utilizar a seda com fins de proteção balística, contudo, esta se mostrava efetiva contra os projéteis de baixa velocidade (em torno de 100 a 150 m/s) das armas usadas até então, e ineficazes contra a nova geração de armas raiadas, que atingiam mais de 200 m/s. Além disso, o custo da seda era altíssimo - o equivalente a 2.500 reais de hoje - por unidade.
A próxima geração de material balístico viria durante a Segunda Guerra Mundial. O nylon balístico era eficiente contra fragmentos de projéteis e explosões, mas não detinha a maior parte dos projéteis de pistolas e fuzis. Além do quê, eram extremamente grandes e desajeitados, mal servindo para fins militares.
Os anos 60 trouxeram maus fluidos para os policiais americanos. O número de policiais mortos em serviço cresceu assustadoramente, e o governo tomou providências (Ah! Se aqui no Brasil fosse assim...). Mais de três milhões de dólares foram gastos em pesquisas para se desenvolver um material que atendesse às necessidades dos policiais.
Materiais Balísticos
Curiosamente, a resposta surgiu na DuPont (aquela da lingerie), que tentava desenvolver um tecido que substituísse o aço dos pneus de veículos, fabricado de fibra de aramida. Procurados pelo governo, testes foram realizados com o Kevlar®, que acabou sendo adotado como o material balístico padrão por muitos anos. Várias versões do Kevlar® foram usadas desde então, entre elas, o Kevlar®29, o Kevlar®129, o Kevlar®Correctional (que protege também contra facas e estiletes) e, por último, em 96, o Kevlar®Protera.
A Allied Signal, outra empresa americana, fabricou uma fibra de polietileno ultra fina e resistente, batizada de Spectra®, que deu origem ao material denominado Spectra®Shield (shield significa escudo, em inglês). A mesma Allied Signal desenvolveu também um material derivado de aramida, chamado de Gold Shield®. Outros derivados surgiram, como Gold Shield® LCR e Gold-Flex®.
Outro derivado de fibra de aramida foi desenvolvido por Akzo Nobel, e denominado Twaron®, bem como das Netherlands surgiu o Dyneema®. De propriedades similares, estes materiais apresentam sutis diferenças de peso, cor, flexibilidade e custo. É importante saber que estes materiais não são utilizados somente na confecção de coletes a prova de balas, mas também em capacetes, cordas, roupas, na aeronáutica e outros.
A última fibra balística a ser desenvolvida foi criada no Japão, e recebeu o nome de zylon. Esta fibra apresenta grandes inovações em termos de peso, ventilação e flexibilidade, mas não foi ainda totalmente testada e aprovada pelas maiores polícias do mundo.
 
Colete Zylon
Outras tecnologias são utilizadas na confecção de materiais balísticos, para obter resultados de conforto e impermeabilidade, como é o caso do GoreTex® e CoolMax®.
No fabrico de proteção balística rígida, os materiais são moldados através de resinas, dando forma aos capacetes, escudos, joelheiras e caneleiras. Nos equipamentos rígidos, os níveis de proteção também obedecem a norma citada abaixo.
Como é feito e como funciona
Uma placa balística flexível é confeccionada sobrepondo-se camadas de material balístico e outros materiais, dependendo do efeito desejado. Essas camadas são costuradas firmemente umas às outras. Depois esta placa, ou painel balístico, é inserido dentro de uma capa, feita de tecido comum de acordo com o padrão de uniforme da instituição específica.
Basicamente, os diversos materiais balísticos atuam da mesma forma. Quando o projétil se choca contra a veste, ele é pego em uma rede de fios finos e resistentes, que freiam o movimento giratório do projétil e fazem-no se deformar. Assim, além de impedir a penetração, a veste ainda distribui a força do impacto por uma área bem maior, anulando, ou melhor, diminuindo os efeitos da transferência de força cinética para o corpo, ou o blunt trauma, como é chamado. Para ter efeito contra os calibres de grandes velocidades, como o 7,62 mm, o 5,56mm e o 30-06, é necessário reforçar a veste com uma placa rígida que distribui melhor o impacto, geralmente confeccionada em cerâmica.
Os materiais balísticos, na forma dos coletes, não protegem somente contra projéteis. São inúmeros os casos de policiais que sobreviveram a acidentes de trânsito graças aos coletes balísticos. Determinados materiais protegem também contra instrumentos perfurantes, como é o caso do Kevlar®Correctional, usado por carcereiros nas penitenciárias americanas.
Níveis de Proteção
Os níveis de proteção das vestes balísticas são definidos pela NIJ Standard 0101.04. Esta norma, editada pelo National Institute of Justice, um departamento do Ministério da Defesa dos Estados Unidos, foi aceita internacionalmente como um padrão de níveis de proteção balística. Veja a tabela:
Outro tópico de extrema importância observado pela NIJ Standard 0101.04 é a deformação da veste diante de um impacto, isto é, a proteção oferecida contra o blunt trauma. Os testes são feitos efetuando-se disparos contra uma placa balística colocada sobre plastilina, uma massa de consistência semelhante ao corpo humano. Os coletes de nível III acima necessitam do reforço das placas de cerâmica para redução do blunt trauma.
A tabela acima foi simplificada, pois ainda são considerados: o tipo de projétil, o ângulo dos impactos, a incidência de impactos por cm² , a resistência à umidade.
As expressões "modelo" e "estilo", são meras convenções dos fabricantes para identificar uma veste: elas se referem à abrangência da placa, à forma de fixação, á quantidade de bolsos, etc. Para o policial, a configuração da placa, isto é, a abrangência do colete, é tão importante quanto o nível de proteção.
Escolhendo o nível e modelo apropriado
Alguns pontos devem ser observados na escolha do modelo e estilo de um colete:
  • A abertura do pescoço não pode ser muito alta, nem a placa frontal muito longa, para não enforcar o policial ao sentar;
  • As alças do ombro devem ser largas, mas não o bastante para restringir os movimentos;
  • Os furos do pescoço e braços devem ser amplos, para garantir flexibilidade e conforto, sem contudo comprometer a proteção;
  • As placas devem ser ajustáveis, para que o colete não se deforme ou surjam espaços vazios entre os painéis. As placas frontal e traseira devem se sobrepor;
  • Para mulheres, a placa frontal deve considerar o volume dos seios, para manter o conforto;
  • O peso deve ser o menor possível.
Uma vez que os coletes balísticos são tanto mais pesados e incômodos quanto maior for o nível de proteção, não é sensato adotar um colete nível IV para toda a força policial. Afinal, um policial empregado no policiamento a pé não conseguiria envergar por seis horas um colete que pesa em torno de dez quilos.
A maneira mais científica de se selecionar o nível de proteção apropriado é a análise estatística das ocorrências envolvendo armas de fogo. Apesar de não dispormos de dados concretos (nossas polícias não fazem estatísticas), poderíamos afirmar que a grande maioria dos disparos sofridos por policiais é de calibre .38 S & W ou inferior, portanto, o nível apropriado seria o II, para uma guarnição de radiopatrulha.
Outra forma, menos científica porém coerente, é determinar o nível de proteção pela arma que o próprio policial está usando. Isto porque a arma de porte indica o que o policial espera encontrar pela frente, além do que o número de policiais morto pela própria arma é relevante: nos EUA, o percentual chega a 16%. Olhando desta forma, a escolha do nível II para o radiopatrulhamento se confirma, enquanto que para um grupo especial cuja arma básica é um fuzil calibre 7,62, o nível III seria o mais indicado.
Cuidando do seu colete
As capas dos coletes balísticos podem ser lavadas como uma roupa comum. É conveniente não usar alvejantes nem secar ao sol, para não desbotar.
As placas podem ser lavadas com um pano ou esponja úmida e detergente, mas nunca submersas em água. Solventes ou produtos à base de álcool jamais poderão ser usados. A secagem deve ser à sombra.
Uma inspeção visual deve ser feita semanalmente, a fim de identificar defeitos ou desgastes nas placas balísticas. Ao serem retirados do corpo, os coletes devem ser colocados sobre uma superfície plana ou em cabides, para que não se deformem. Este é, aliás, um dos grandes problemas nos coletes mais novos que, por serem altamente flexíveis, deformam-se com facilidade quando não cuidados devidamente.
Lembre-se que o material balístico é como um tecido: ele se desgasta, relaxa, afrouxa as malhas e envelhece. Se bem cuidado, um colete excede em muito tempo o seu prazo de validade normal, especificado pelo fabricante. É o cuidado na manutenção que dita a validade do colete. A DuPont já testou coletes com mais de oito anos de serviço e constatou que eles mantinham as mesmas características originais. Por outro lado, coletes com dois anos de serviço mostraram-se inservíveis por falta de cuidado. O ideal, portanto, é retestar os coletes depois de três a cinco anos de uso.
Porque usar um colete?
Eu mesmo já protestei contra o uso constante de coletes à prova de balas. Sempre achei os coletes incômodos e quentes. Nos dias de hoje, contudo, o colete se tornou parte indispensável do equipamento policial em qualquer circunstância. Responda à pergunta abaixo e tire suas próprias conclusões:
"Se você pudesse fazer algo capaz de aumentar em 14 vezes suas chances de sobrevivência num confronto, você faria?"
Se a sua resposta foi sim, então use um colete à prova de balas!!!

Este artigo é dedicado à memória do SD PM Adevone Mesquita da Silva, meu companheiro do BPMChoque em muitas ocorrências e amigo para todas as horas. Que Deus o receba com todas as honras que lhe são devidas.

Baseado em : Selection and Application Guide to Police Body Armor - NIJ Guide 100-01. U.S. Department of Justice.

*O autor é Capitão da Polícia Militar do Estado de Goiás, ex-comandante do GATE e lotado na Sup. de Segurança do Governador. Atualmente está no Haiti a Serviço da ONU em missão de Paz. É instrutor de vários cursos de especialização da PM e é também o instrutor-chefe das disciplinas operacionais da Self Defense - Centro de Formação de Vigilantes. (Este artigo é assunto de uma das aulas de Técnica Operacional da Self Defense).


http://selfdefense.com.br/artigos/protecaobalistica.htm

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