Policial civil revela como funcionam
os novos esquadrões da morte de São Paulo e denuncia as perseguições
que sofrem os agentes que se negam a matar e torturar
Por Tatiana Merlino
Primeiro, identificam-se os “bilões” de
cada batalhão, que, na gíria da Polícia Militar (PM), são os policiais
mais violentos. Depois, eles são chamados para integrar os
“caixas-dois”, como são conhecidos os grupos de extermínio de cada
batalhão. Para o “trabalho”, geralmente usam viaturas da Rota e da Força
Tática – ou Forjas Trágicas, como são apelidadas. O caixa-dois é
formado por três integrantes, sendo um deles escoltado até um local
seguro, onde tira a farda, coloca uma roupa civil e usa uma moto ou um
carro para orientar ou executar os assassinatos. Geralmente, atuam em
sua área de circunscrição de trabalho.
Quando o serviço acaba, chega uma
viatura, encarregada de recolher as cápsulas e pedir para o pessoal do
comércio lavar o local. O importante é adulterar a cena do crime. Em
seguida, coloca-se a vítima no carro, e, mesmo que esteja morta, ela é
levada ao hospital. Quando necessário, usam o “kit vela” ou “kit
flagrante”: uma porção de entorpecente e uma arma fria colocada na mão
do cadáver, para justificar o homicídio. Às vezes, também deixam um
celular junto à vítima.
“O caixa-dois funciona quando não dá
para fritar na resistência [justificar o assassinato como decorrência de
suposto confronto com a PM]”, explica um policial civil, que investigou
grupos de extermínio formados por policiais militares. “A maior parte
deles participa do negócio, mesmo quem não mata. É até uma questão de
subordinação hierárquica ao ao comando.”
Na maioria dos casos de extermínio, seja
na capital, litoral ou interior, o modus operandi das ações é
praticamente o mesmo. Atiradores em carros de cores escuras, vestindo
toucas ninja e roupas pretas, e manejando, na maioria das vezes, armas
de calibres 9mm, .380 ou .40.
Punição
A regra do batalhão é: o PM se negou a torturar, a matar? Vai para o PAO: Pelotão de Apoio Operacional, espécie de punição dada pelo comando de alguns batalhões da PM paulista a policiais que se negam a participar de ilegalidades e abusos, como torturas, matanças e grupos de extermínio. O castigo consiste em fazer ronda do lado de fora do batalhão, ficar 12 horas de pé, incomunicável com os outros membros da tropa e sem poder comer, urinar ou evacuar. Os que ousarem se solidarizar com os castigados são punidos da mesma maneira.
A regra do batalhão é: o PM se negou a torturar, a matar? Vai para o PAO: Pelotão de Apoio Operacional, espécie de punição dada pelo comando de alguns batalhões da PM paulista a policiais que se negam a participar de ilegalidades e abusos, como torturas, matanças e grupos de extermínio. O castigo consiste em fazer ronda do lado de fora do batalhão, ficar 12 horas de pé, incomunicável com os outros membros da tropa e sem poder comer, urinar ou evacuar. Os que ousarem se solidarizar com os castigados são punidos da mesma maneira.
O major de um dos batalhões onde o PAO é
aplicado intimida sua tropa batendo no peito e gritando: “Eu sou
Highlander, vocês me respeitem!”. Highlander é um grupo de extermínio
chamado dessa maneira, porque corta as cabeças e mãos das vítimas. O
major incentiva a matança de “ladrões” e dispensa do trabalho quem matar
mais. Manda para o PAO quem não quiser entrar para o “caixa-dois”.
Essas graves acusações são feitas pelo
policial civil, citado anteriormente, e por um sargento da Polícia
Militar – ambos não compactuaram com ilegalidades cometidas por membros
de suas corporações. O primeiro conversou com a Caros Amigos na condição
de sigilo de identidade, sob alegação de estar sendo perseguido e ter
sofrido ameaças e duas tentativas de homicídio, após ter apresentado
relatórios de investigação sobre grupos de extermínio.
A denúncia sobre o PAO também foi levada
ao Conselho de Defesa da Pessoa Humana (Condepe), que vem sendo
procurado por policiais civis e militares que não estão de acordo com
torturas, assassinatos e desaparecimentos que vêm acontecendo em São
Paulo. “Primeiro vieram investigadores da polícia civil, depois da PM –
soldado, sargento, tenente e até capitão –, e, por fim, delegados de
polícia. Todos deram um quadro que, para nós, é muito grave. São pessoas
que ficam na seguinte situação: ‘ou eu entro para a bandidagem ou sou
punido’”, relata Ivan Seixas, presidente da instituição. Segundo ele,
tais funcionários públicos estão sofrendo ameaças de morte, de punição e
processos administrativos e disciplinares. As denúncias que o policial
passou à reportagem da Caros Amigos também foram encaminhadas a órgãos
públicos fiscalizadores da lei.
Higiene Social
De acordo com o policial civil, os grupos de extermínio funcionam “numa égide de controle e higienização social, para prestigiar o comando e o governo, para abaixar índices de criminalidade”, explica. “Assim, os vagabundos sabem que, se roubarem naquela determinada cercania, vão para o saco, morrem. Isso provoca um êxodo, o cara migra”. Segundo ele, ao ajudar a baixar as estatísticas de violência nas suas regiões de trabalho, os policiais recebem proteção do comando, sendo favorecidos por melhores escalas, bicos, armamentos, viaturas e outros equipamentos táticos.
De acordo com o policial civil, os grupos de extermínio funcionam “numa égide de controle e higienização social, para prestigiar o comando e o governo, para abaixar índices de criminalidade”, explica. “Assim, os vagabundos sabem que, se roubarem naquela determinada cercania, vão para o saco, morrem. Isso provoca um êxodo, o cara migra”. Segundo ele, ao ajudar a baixar as estatísticas de violência nas suas regiões de trabalho, os policiais recebem proteção do comando, sendo favorecidos por melhores escalas, bicos, armamentos, viaturas e outros equipamentos táticos.
Um dos grupos de extermínio que atuava
dessa maneira, os Highlanders, era formado por policiais da Força Tática
do 37º Batalhão, na Zona Sul de São Paulo. Eles atuavam no bairro do
Jardim Ângela, matando as vítimas e jogando os corpos decapitados em
Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo. Aproveitando a situação, os
policiais dos grupos de extermínio também cometeriam crimes para matar
seus desafetos.
Paralelamente a isso, também matam por
encomenda, “modalidade” de assassinatos chamada de “firma”. “É quando
parte do ideal funcional vai para o ideal capitalista”. Tal modalidade
estaria, assim, diretamente relacionada com os casos de corrupção. “A
corrupção e a mortandade são institucionalizadas”. O policial civil
relata, ainda, que existe um acordo entre policiais e criminosos sobre a
divisão de caixas eletrônicos. Na firma, também entram disputas por
caça-níqueis, loterias clandestinas e bingos.
Mortos ‘em confronto’
Segundo dados divulgados pela PM no final de agosto, nos primeiros sete meses deste ano 170 pessoas foram mortas por policiais militares na capital paulista, contra 128 no mesmo período de 2011 – um aumento de 32%. Os números incluem os mortos em confrontos com a PM [as chamadas “resistências seguidas de morte”] e vítimas de homicídios cometidos por policias em período de folga. Em todo o estado de São Paulo, o número de mortos por PMs atingiu a marca de 369 pessoas (redução de 4%). De janeiro a julho, 57 PMs morreram nas mesmas condições.
Segundo dados divulgados pela PM no final de agosto, nos primeiros sete meses deste ano 170 pessoas foram mortas por policiais militares na capital paulista, contra 128 no mesmo período de 2011 – um aumento de 32%. Os números incluem os mortos em confrontos com a PM [as chamadas “resistências seguidas de morte”] e vítimas de homicídios cometidos por policias em período de folga. Em todo o estado de São Paulo, o número de mortos por PMs atingiu a marca de 369 pessoas (redução de 4%). De janeiro a julho, 57 PMs morreram nas mesmas condições.
Nas periferias e região metropolitana de
São Paulo, os meses de junho e julho foram marcados por terror, batidas
e toques de recolher impostos pela PM, execuções sumárias e chacinas
com características de grupos de extermínio, que teriam a participação
de policiais militares.
De acordo com balanço trimestral
divulgado em 25 de julho pela Secretaria Estadual de Segurança Pública
de São Paulo (SSP), o número de homicídios dolosos na cidade de São
Paulo cresceu 21,8% no primeiro semestre de 2012 em comparação a 2011:
586 homicídios nos primeiros seis meses deste ano contra 482 no mesmo
período do ano passado. Para o policial ouvido pela Caros Amigos, esses
dados são “maquiados”. “Muitas vezes um BO [Boletim de Ocorrência] que
seria de tentativa de homicídio é elaborado como lesão corporal,
encontro de cadáver, morte a esclarecer. Hoje, a maior parte dos casos
de resistência seguida de morte são casos de execução. E como são, na
maioria, de pobres e negros, ‘foda-se’”.
Vingança e Limpeza
Um relatório realizado pelo serviço de inteligência do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil de São Paulo indica que, entre 2003 e 2010, grupos de extermínio formados por PMs foram responsáveis pelo assassinato de 152 pessoas em São Paulo, em 70 ocorrências. Quase a metade (48%) das vítimas fatais não tinha antecedentes criminais. Já entre os que sobreviveram aos tiros, 82% não têm passagem pela polícia. A maioria dos mortos e feridos são do sexo masculino (90%).
Um relatório realizado pelo serviço de inteligência do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil de São Paulo indica que, entre 2003 e 2010, grupos de extermínio formados por PMs foram responsáveis pelo assassinato de 152 pessoas em São Paulo, em 70 ocorrências. Quase a metade (48%) das vítimas fatais não tinha antecedentes criminais. Já entre os que sobreviveram aos tiros, 82% não têm passagem pela polícia. A maioria dos mortos e feridos são do sexo masculino (90%).
De acordo com o documento, produzido em
2011, os assassinatos foram motivados por: vingança (20%); abuso de
autoridade (13%); “limpeza” (13%); cobranças ligadas ao tráfico (10%), e
cobranças ligadas ao jogo (5%). Além disso, 39% das mortes não tiveram
motivo aparente.
A investigação indica dois grupos de
extermínio de PMs, um na Zona Norte e outro na Zona Leste. O primeiro é
chamado de “Matadores do 18”, já que os acusados são do 18º Batalhão.
Entre as mortes atribuídas a ele está a do coronel José Hermínio
Rodrigues, que era comandante da área, em 2008. O PM Pascoal dos Santos
Lima, apontado como um dos membros do grupo, é acusado de 17 mortes.
O relatório aponta o PM Valdez Gonçalves
dos Santos, do 21º Batalhão, como o chefe do grupo da Zona Leste. Ele é
acusado de matar pelo menos 23 pessoas e ferir outras 17. Mas, de
acordo com o relatório obtido pela reportagem, Valdez é responsável por
mais de 50 assassinatos.
“Esses caras se tornam deuses. O Valdez,
depois de ter sido preso, está na rua. Quem não pagava pau para ele,
para se solidarizar, paga agora de medo”. Integrante da Força Tática do
21º Batalhão, Valdez tem uma tatuagem no braço com o símbolo da morte:
uma pessoa vestindo uma capa preta. Valdez foi preso em 2010 pelo
assassinato do camelô Roberto Marcel dos Santos – tirado de dentro de
casa e morto com dez tiros no dia em que completava 22 anos –, mas foi
absolvido em júri popular ocorrido em 2011. O soldado e outros quatro
PMs da Força Tática são investigados pela Corregedoria da PM e pelo
DHPP. De acordo com as investigações, os assassinatos estão ligados a
uma disputa de pontos de venda de drogas na Zona Leste de São Paulo.
Sangue nos Olhos
“Os grupos começaram a atuar para prestigiar o comando, fazendo um favor de limpar socialmente. Mas não só os ‘noias’ [usuários de drogas]. Se está havendo muito roubo de carro, por exemplo, eles matam os caras”, explica o policial. “Mas o que passou a acontecer depois é que um traficante começou a pagar para o policial matar o seu rival. Os caras iam e matavam o concorrente dele. Nisso, virou uma ‘firma’”, conta. “E nessas tem muito PM batizado no PCC”.
“Os grupos começaram a atuar para prestigiar o comando, fazendo um favor de limpar socialmente. Mas não só os ‘noias’ [usuários de drogas]. Se está havendo muito roubo de carro, por exemplo, eles matam os caras”, explica o policial. “Mas o que passou a acontecer depois é que um traficante começou a pagar para o policial matar o seu rival. Os caras iam e matavam o concorrente dele. Nisso, virou uma ‘firma’”, conta. “E nessas tem muito PM batizado no PCC”.
Para atuar nos grupos de extermínio,
seja das modalidades “firma” ou “caixa- dois”, os escolhidos para a
“linha de frente” são os “bilões”, os considerados mais violentos; “os
que mais têm ‘sangue nos olhos’, os que mais batem, mais torturam, com
perfil de psicóticos.Eles são detectados e, em vez de serem colocados
sob avaliação, ganham respaldo, incentivo. Se o cara já é monstro, vira o
quê?”.
Tais policiais teriam o hábito de filmar
e fotografar os cadáveres de suas vítimas e compartilhar entre eles. “É
comum abordar um PM e encontrar fotos de um monte de vítimas em seu
celular. E ele ganha status com isso. Ao exibir essas fotos, ele é
promovido, é favorecido.”. Segundo o policial, as futuras vítimas também
são fotografadas – suas imagens ficam no celular dos policiais para que
estes as identifiquem caso cruzem com elas. Os PMs chegam, ainda, a
compartilhar as imagens na internet, postá-las em blogs e sites.
Os policiais são formados para matar,
acredita o policial civil. “Isso é cultural, institucional, vem da
formação deles. Além disso, há muito incentivo dentro dos batalhões.
Esse papinho de que vai fazer pacto é balela [referindo-se ao anúncio do
comando da PM de que pagará gratificação para policial que matar
menos]. Não vai mudar nada. Se o cara puder, ele mata mesmo”.
Após os dois meses de aumento da
violência policial, o Comandante-Geral da Polícia Militar de São Paulo,
Roberval Ferreira França, anunciou, em 8 de agosto, em entrevista ao
jornal O Estado de S. Paulo, a criação de uma remuneração variável aos
policiais que conseguissem reduzir o crime e a letalidade. Outra
iniciativa anunciada é a descentralização da Corregedoria e a criação de
12 escritórios regionais na capital, Grande São Paulo e interior.
Porém, no dia seguinte, o comandante da PM disse que se confundiu e
trocou os conceitos de “letalidade policial” por “integridade policial”,
ao explicar o índice que pretende criar.
De Cima Para Baixo
A dificuldade de combater o problema ocorre, entre outros motivos, por causa da determinação para matar “que, segundo os policiais, vem decima para baixo. Essas coisas não ocorrem à revelia do comando. Não há interesse em investigação porque há uma política de cima para baixo – não conseguimos saber até que nível chega. Porém, conter as estatísticas de criminalidade interessa a quem?”, questiona Ivan Seixas.
A dificuldade de combater o problema ocorre, entre outros motivos, por causa da determinação para matar “que, segundo os policiais, vem decima para baixo. Essas coisas não ocorrem à revelia do comando. Não há interesse em investigação porque há uma política de cima para baixo – não conseguimos saber até que nível chega. Porém, conter as estatísticas de criminalidade interessa a quem?”, questiona Ivan Seixas.
“A cúpula sabe que existe grupo de
extermínio”, garante o policial civil. “Eles sabem, mas não querem
denunciar. Não é para acabar, pois há interesses pecuniários e
políticos. O comando manda fazer, acontecer e foder. Mas, se der merda, o
cara fica sozinho.”
Em 2009, durante a posse do coronel
Paulo Adriano Lopes Telhada como comandante da Rota, o secretário de
Segurança Pública Antônio Ferreira Pinto disse: “É notório que ela
[Rota] não estava sendo empregada com toda a sua força [...] Em matéria
de segurança pública, o politicamente correto beira a hipocrisia”. Em
seu discurso, Ferreira Pinto afirmou também que “agir com rigor no
combate ao crime violento não significa incursionar para o abuso,
descambar para o mau combate, implantar a barbárie”. Para ele, a Rota
“deve voltar ao lugar que ocupava com destaque e eficiência no combate
aos criminosos violentos e covardes”. Para o policial civil, essa fala é
“uma apologia ao homicídio ou genocídio social. Se entende que é para
matar”.
Para se ter uma ideia da letalidade da
polícia paulista, entre 2006 e 2010 o índice de mortos pela PM foi de
5,5 para cada 100 mil habitantes, mais do que o índice nos Estados
Unidos. No mesmo período, 2.262 pessoas foram mortas após casos de
“resistência seguida de morte”, os supostos confrontos com PMs. Nos EUA,
no mesmo intervalo de tempo, conforme dados do FBI, foram 1.963
“homicídios justificados”, o equivalente às resistências seguidas de
morte registradas em São Paulo.
Esquadrão da Morte
Para o policial, a violência existente na polícia paulista é pior do que a da época do esquadrão da morte da ditadura militar. “Hoje é pior, porque naquela época era bem delimitado: polícia é polícia e bandido é bandido. Hoje, a polícia é bandido, porque ela está conjugada com o crime. Tomou uma desproporção.” Além disso, acredita, “o Esquadrão da Morte nunca acabou de fato. A Escuderie Le Cocq nunca acabou. Pode ter abrandado por um tempo, mas a cultura sempre perdurou”.
Para o policial, a violência existente na polícia paulista é pior do que a da época do esquadrão da morte da ditadura militar. “Hoje é pior, porque naquela época era bem delimitado: polícia é polícia e bandido é bandido. Hoje, a polícia é bandido, porque ela está conjugada com o crime. Tomou uma desproporção.” Além disso, acredita, “o Esquadrão da Morte nunca acabou de fato. A Escuderie Le Cocq nunca acabou. Pode ter abrandado por um tempo, mas a cultura sempre perdurou”.
A associação criminosa de policiais para
executar pessoas tidas como marginais ficou notória no Rio de Janeiro a
partir de 1964. A Escuderie Detetive Le Cocq, assim nomeada em
homenagem ao assassinado detetive Milton Le Cocq, funcionava como um dos
esquadrões da morte da época, e foi bastante ativa dos estados do Rio
de Janeiro e Espírito Santo. No fim da década de 1960, um grupo de
policiais de São Paulo foi ao Rio para conhecer a experiência. Assim,
formou-se o chamado Esquadrão da Morte, responsável por mortes de
supostos bandidos. O líder da organização era o delegado Sérgio Paranhos
Fleury, que depois foi utilizado pela ditadura militar para torturar e
matar os opositores ao regime.
Os esquadrões da morte deixaram um
legado na polícia brasileira durante as décadas seguintes. Um dos seus
participantes, Florisvaldo de Oliveira, apelidado de “Cabo Bruno” e
acusado de mais de 50 assassinatos na década de 1980 na capital
paulista, foi solto em agosto deste ano, após 27 anos de prisão.
Para Ivan Seixas, os grupos de
extermínio de hoje e o esquadrão da morte da ditadura “são a mesma
coisa, só que com outro nome. Supostamente começa para matar bandidos e
vira terrorismo de Estado”.
Em Todo o Estado
Em entrevista à imprensa, o major Marcelino Fernandes, representante da Corregedoria da Polícia Militar, nega a existência de grupos de extermínio formados por policiais militares. O policial da Polícia Civil rebate: “É indefensável o governo alegar essas coisas. Se formos ver a Baixada Santista, que tem comando diferente do de São Paulo, mata do mesmo jeito que a capital. E no interior também se mata. Os grupos de extermínio são institucionalizados e regionalizados em cada batalhão, tem em todo o estado de São Paulo. Cada batalhão tem um grupo de extermínio, tem seu ‘caixa-dois’”. E, dentro da corporação, afirma, há vários policiais que querem denunciar e não conseguem.
Em entrevista à imprensa, o major Marcelino Fernandes, representante da Corregedoria da Polícia Militar, nega a existência de grupos de extermínio formados por policiais militares. O policial da Polícia Civil rebate: “É indefensável o governo alegar essas coisas. Se formos ver a Baixada Santista, que tem comando diferente do de São Paulo, mata do mesmo jeito que a capital. E no interior também se mata. Os grupos de extermínio são institucionalizados e regionalizados em cada batalhão, tem em todo o estado de São Paulo. Cada batalhão tem um grupo de extermínio, tem seu ‘caixa-dois’”. E, dentro da corporação, afirma, há vários policiais que querem denunciar e não conseguem.
Quando entrou para a polícia, o agente
tinha um ideal. “Não me via fazendo outra coisa, queria prestar um
serviço social, tinha o tesão da luta do bem contra o mal. Eu queria
ajudar”. No entanto, ele acredita que em casos como o do PAO, por
exemplo, “muitas vezes o cara acaba cedendo. Se não, ele morre ou sofre
bullying funcional. Mas, é claro, tem quem fale não”.
A perseguição aos policiais “rebeldes”
ocorre, muitas vezes, no Tribunal Militar, conhecido por sua capacidade
de garantir a impunidade: “Hoje, ele estaria sendo usado não só para
garantir a impunidade como para punir quem não quer participar do
‘jogo’. Os policiais dizem que quando o processo disciplinar é julgado,
muitas vezes o acusador e o julgador são a mesma pessoa”, explica Ivan
Seixas, do Condepe.
Arredondar B.O.
Se junto aos PMs a pressão é para participar ou se omitir em relação aos casos de extermínio e corrupção, na polícia civil a pressão é para “arredondar” o Boletim de Ocorrência, explica o policial. Ou seja, tentar deixar o BO mais “redondo”, para, caso se consiga chegar ao culpado, ele esteja o mais “defensável” possível. Entre as formas de se fazer isso, está a manipulação de testemunhas ou sua não intimação.
Se junto aos PMs a pressão é para participar ou se omitir em relação aos casos de extermínio e corrupção, na polícia civil a pressão é para “arredondar” o Boletim de Ocorrência, explica o policial. Ou seja, tentar deixar o BO mais “redondo”, para, caso se consiga chegar ao culpado, ele esteja o mais “defensável” possível. Entre as formas de se fazer isso, está a manipulação de testemunhas ou sua não intimação.
Além disso, a polícia civil encontra-se
desaparelhada e sem capacidade de investigação. “Está engessada,
militarizada. A discricionariedade do delegado de polícia está
convertida para a politicagem. É raro ver o que aconteceu no caso do
publicitário [após o assassinato do publicitário Ricardo Aquino, por
policiais militares, em 18 de julho, o delegado responsável disse que
houve falha na atuação dos policiais]: o delegado pegar o flagrante.
Isso é raro. Geralmente, a PM sitia a situação.”
Na opinião de Ivan Seixas, a polícia
civil está sem poder de investigação, porque “há uma ordem verbal, às
vezes muito objetiva: se for apontada a existência de crimes envolvendo
policiais civis ou militares, a investigação deve ser ‘arredondada’ para
não se abrir flanco para denúncias. E aí ficamos com uma polícia que
não investiga, uma polícia científica que não tem condições de
investigar. Ou seja: ficamos sem investigação”, critica.
Outro fator que favorece a atuação dos
grupos de extermínio e enfraquece as investigações dos crimes cometidos
por PM é a militarização das subprefeituras de São Paulo. Hoje, 30 dos
31 subprefeitos de São Paulo são coronéis da reserva da PM, sendo que
todos eles foram indicados pelo ex-comandante da corporação Álvaro
Camilo. A militarização das subprefeituras teve início em 2008, na
segunda gestão de Gilberto Kassab, com a indicação do coronel Rubens
Casado para a subprefeitura da Mooca. A PM ainda está presente em órgãos
como serviço funerário, ambulatorial e defesa civil. “É um absurdo essa
municipalização da PM. Acho que isso aumenta o prestígio e o apoio à
violência. Prestigia a segurança e medidas extremadas dos grupos de
extermínio”, aponta o policial.
O atual subprefeito da Penha, coronel
Eduardo Félix de Oliveira é apontado como protetor do soldado Rodolfo da
Silva Vieira, acusado de integrar o grupo de extermínio “Os
Highlanders”. Oliveira é amigo do pai do soldado, o capitão Paulo
Roberto da Silva Vieira.
Perseguição
Apesar das dificuldades, há vários casos de policiais que se negaram a participar de esquemas de matança e corrupção. Um deles é o soldado Júlio César Lima dos Nascimento, do 42º Batalhão da PM, em Osasco, assassinado em 4 de setembro de 2011, com 18 tiros, em frente a sua casa, quando estava de folga e lavava o carro na rua. Segundo testemunhas, os assassinos estavam dentro de um carro quando passaram atirando. Um deles, antes de atirar, teria dito: “Isso é para você!”.
Apesar das dificuldades, há vários casos de policiais que se negaram a participar de esquemas de matança e corrupção. Um deles é o soldado Júlio César Lima dos Nascimento, do 42º Batalhão da PM, em Osasco, assassinado em 4 de setembro de 2011, com 18 tiros, em frente a sua casa, quando estava de folga e lavava o carro na rua. Segundo testemunhas, os assassinos estavam dentro de um carro quando passaram atirando. Um deles, antes de atirar, teria dito: “Isso é para você!”.
Um mês antes de morrer, o soldado havia
procurado o Condepe e a polícia afirmando estar sendo perseguido por
seus superiores dentro do quartel onde trabalhava e que respondia a
procedimentos internos. Após as denúncias, o policial prometeu voltar
para apresentar os nomes daqueles que o ameaçavam e as provas criminais
contra eles, porém não teve tempo.
Na denúncia que fez à polícia civil,
consta: “O declarante acrescenta que seus problemas na polícia militar
começaram a partir do dia 14/12/2006, ocasião em que após ter saído de
serviço da 3º Cia do 36º BPMM, já de folga e à paisana, presenciou o
desdobramento de uma ocorrência de roubo e receptação de carga de frios e
de carne, sendo que um dos presos em flagrante delito era um policial
militar também da 3º Cia do 36º BPMM. O declarante esclarece que, por
ocasião dos fatos, o Tenente Coronel Henrique Dias era o Comandante do
36º BPMM”.
Processos Disciplinares
De acordo com sua advogada, Sandra Paulino, após a apreensão da carga roubada Nascimento foi repreendido dentro da delegacia. “Ele ouviu de um delegado o seguinte: ‘Você fez muito mal, isso não se faz’. Mas a conduta dele foi correta”, afirma Sandra. Desde então, Nascimento passou
a ser perseguido, com processos disciplinares.
De acordo com sua advogada, Sandra Paulino, após a apreensão da carga roubada Nascimento foi repreendido dentro da delegacia. “Ele ouviu de um delegado o seguinte: ‘Você fez muito mal, isso não se faz’. Mas a conduta dele foi correta”, afirma Sandra. Desde então, Nascimento passou
a ser perseguido, com processos disciplinares.
Foi transferido, dois anos depois, para o
42º Batalhão da PM, em Osasco. “Lá ele estava bem, até que o Henrique
Dias foi transferido para lá. Aí começaram a abrir os procedimentos
disciplinares, coisas bobas: que ele tinha quebrado a bandeja de uma
impressora, que atendeu mal uma pessoa…”, aponta Sandra Paulino.
Após as denúncias, foi instaurado um
inquérito policial, em que o coronel Henrique Dias consta como
“averiguado” e o soldado Nascimento como vítima. “Ele foi depor e um mês
depois foi assassinado”. Sandra conta que também sofreu inúmeras
ameaças, tendo ficado, inclusive, sob proteção do Programa de Proteção
aos Defensores de Direitos Humanos do Governo Federal.
O caso está sendo investigado na
delegacia de homicídios de Cotia, mas Sandra reclama do fato de não
terem permitido que ela tivesse acesso à investigação. Desde então, ela
vem denunciando o assassinato do soldado Nascimento e pede que a
investigação seja federalizada.
Resposta da Polícia Militar
Caros Amigos – Segundo denúncia de dois
policiais, um da Civil e um da Militar, há batalhões da Polícia Militar
onde existe uma punição aos policiais que se negam a compactuar com
ilegalidades e abusos, como participar de torturas, matanças e entrar
para os grupos de extermínio. O nome da punição seria PAO (Pelotão de
Apoio Operacional), que seria uma ronda externa do batalhão, ficar 12
horas de pé sem se alimentar ou ir ao banheiro. A Corregedoria tem
conhecimento desse tipo de prática?
Polícia Militar do Estado de São Paulo –
A PMESP e a Corregedoria desconhece essa gíria da punição PAO, e hoje
nenhum policial se sujeitaria a trabalhar sem poder se alimentar e ir ao
banheiro, e denunciaria à própria Corregedoria, qualquer desses abusos.
CA – Na denúncia feita pelos policiais,
eles explicam como seria o modus operandi de grupos de extermínio:
identificariam-se os chamados “bilões’, que seriam os policiais mais
violentos para integrarem os grupos, que seriam chamados para integrar
os ‘caixa-dois’, que seriam os grupos de extermínio do batalhão. A
Corregedoria tem conhecimento desse tipo de denúncia?
PMESP – Também não conhecemos a
expressão caixa dois como sendo grupo de extermínio, essa gíria é
desconhecida na Polícia Militar de São Paulo.
CA – Ainda sobre o modus operandi dos
grupos de extermínio, há a denúncia de que eles atuariam em sua área de
circunscrição, são formados por três integrantes, um deles seria
escoltado até um local seguro, tiraria a farda, trocaria por uma de
civil e orientaria ou executaria os assassinatos. Na sequencia, uma
viatura seria encarregada de recolher as cápsulas para adulterar a cena
do crime. A Corregedoria tem conhecimento desse tipo de denúncia?
PMESP – Também desconhecemos essa conduta e seria estranho quem atua fora da lei respeitar área de circunscrição.
CA – Haveria, ainda, o uso de ‘kit
vela’, que seria uma porção de entorpecente e arma fria colocada na mão
do cadáver, para justificar o homicídio. A Corregedoria tem conhecimento
desse tipo de prática?
PMESP – Desconhecemos esse tipo de
procedimento, porém se encontrado qualquer tipo de droga ilícita ou arma
sem registro serão, com certeza, tomadas as providências cabíveis.
CA – A motivação dos grupos de
extermínio seria, de acordo com as denúncias, baixar os índices de
criminalidade na área dos batalhões. Assim, tais policiais teriam
proteção do comando, favorecidos por melhores escalas, bicos e
armamentos. A Corregedoria tem conhecimento desse tipo de prática?
PMESP – Afirmação totalmente
incongruente, pois como que para baixar números de roubo, furtos e
outros delitos eu estaria aumentando o número de homicídios, o que
inclusive não correspondem aos fatos, pois o número de homicídios caiu
vertiginosamente no Estado de São Paulo, o que coloca tal “denúncia” sem
crédito, pela falta de lógica.
CA – O policial civil afirma que os
grupos de extermínio são institucionalizados e regionalizados em cada
batalhão, que existem em todo o Estado de São Paulo. Segundo ele, em
cada batalhão tem um grupo de extermínio. O que a Corregedoria afirma a
respeito?
PMESP – Afirma ser inverídica tal
afirmação, pois teria que ser um conluio generalizado para a prática de
crimes, que rapidamente viria à tona, com provas e denunciantes que não
teriam medo de apresentar provas destas condutas.
CA – Os policiais e o presidente do
Condepe, Ivan Seixas, também revelam que os policiais, tanto civis e
militares, que tentam denunciar a existência de grupos de extermínio são
perseguidos dentro da corporação. A Corregedoria vem recebendo
denúncias e reclamações desse tipo?
PMESP – Estranha tal afirmação, pois a
Corregedoria dá todo o apoio a policiais militares que fazem denúncia, e
o policial militar sabe disso, e é um profissional treinado e
selecionado com a virtude da coragem o que não coaduna com a covardia de
denunciar ilícitos graves de forma anônima sem trazer para tal, provas,
como gravações, filmagens, nomes dos infratores e as ações criminosas.
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http://uniaocampocidadeefloresta.wordpress.com/2012/09/22/violencia-policial-em-cada-batalhao-da-pm-tem-um-grupo-de-exterminio/
In: http://racismoambiental.net.br/2012/09/em-cada-batalhao-da-pm-tem-um-grupo-de-exterminio/#.UF6j6xhyzhI.twitter
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