"A abordagem policial"
Moises Silva da Silva[1]
Não raras são as vezes que se ouvem questionamentos sobre a abordagem
policial, principalmente, no que tange a sua legalidade, necessidade e
conveniência. Tomemos como exemplo o evento recente ocorrido na
Universidade de São Paulo (USP), no qual, após uma busca pessoal, três
pessoas foram flagradas em infração penal e, por esse motivo, foram
tomadas as medidas legais cabíveis. Nada que fugisse à normalidade, se
não fosse a imposição de alguns estudantes acerca daquela abordagem
policial e da efetiva presença da Polícia Militar (PM) naquele campus.
Esse caso teve repercussão nacional e reabriu o debate sobre a
permanência da Polícia Militar naquela Universidade Estadual. Frise-se:
Universidade Estadual. A Polícia Militar é uma Instituição estadual e
tem competência legal e constitucional para o exercício da Segurança
Pública, ou seja, de todos. E não deve, em favor de poucos, que
claramente expõem as razões pelas quais têm aversão à PM, deixar de
exercer o seu ofício em prol da democracia, da garantia da Lei e da
ordem. Por essas razões, analisaremos tal abordagem sob o aspecto
constitucional, legal e doutrinário, bem como seu aspecto relevante para
prevenção criminal.
Antes de entrarmos em pormenores, cabe salientar que há diferença
entre "abordagem policial" e "busca pessoal". Parecem ser sinônimas,
mas, esta é espécie daquela. A abordagem policial é a aproximação do
policial a uma pessoa, independente de fundada suspeita, pois seu
intuito maior é a prevenção criminal pela presença, pela ostensividade
policial. A busca pessoal, por sua vez, é espécie da abordagem policial
por ser uma ação ou atividade na qual a Polícia buscará em pessoa,
veículo, casa, ou outras classes afins, objetos de delitos, como armas,
drogas e outros semelhantes. É o que diz o Código de Processo Penal
(CPP).
Vencida essa diferença, vejamos os aspectos legais da abordagem e da
busca pessoal. Uma vez que, em nome de uma democracia barata, muitos se
abstém, se contrariam, a essas ações que são estritamente legais e
constitucionais. A Constituição Federal de 1988 (CF/88), especialmente o
§5º do artigo 144 diz que: "às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública
(...)". (grifo nosso). O artigo 301 do CPP reza que: "qualquer do povo
poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem
quer que seja encontrado em flagrante delito." Encontra-se em flagrante
delito quem está cometendo, acabou de cometer infração penal ou seja
encontrado logo após a prática dessa infração com objetos, armas ou
instrumentos que façam presumir-se ser o seu autor.
Vamos conceituar os termos grifados de forma legal, a fim de que não
surjam questionamentos de que se trate apenas de um ponto de vista ou de
mera interpretação literal. O Decreto nº 88.777, de 30 de setembro de
1983, indubitavelmente, recepcionado pela CF/88, ao tratar em seu art.
2º da Competência das Polícias Militares traz o seguinte conceito:
"policiamento ostensivo – ação policial, exclusiva das Polícias
Militares em cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam
identificados de relance, quer pela farda quer pelo equipamento, ou
viatura, objetivando a manutenção da ordem pública." Observa-se que o
policiamento ostensivo é meio para se alcançar a ordem pública. Mas, o
que vem a ser a tal ordem pública? Ainda no aspecto legal, esse mesmo
artigo conceitua: "ordem pública – conjunto de regras formais, que
emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as
relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo
um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder
de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem
comum".
Diariamente ocorrem perturbações da ordem pública. Mas, o que vem a
ser essa perturbação? Ela abrange todos os tipos de ação, inclusive as
decorrentes de calamidade pública que, por sua natureza, origem,
amplitude e potencial possam vir a comprometer, na esfera estadual, o
exercício dos poderes constituídos, o cumprimento das leis e a manutenção da ordem pública,
ameaçando a população e propriedades públicas e privadas. É o que diz
aquele Decreto. Dessa forma, surge a necessidade da manutenção da ordem
pública, que é o exercício dinâmico do poder de polícia, no campo da
Segurança Pública, manifestado por atuações predominantemente ostensivas, visando a prevenir, dissuadir, coibir ou reprimir eventos que violem a ordem pública.
Nesse contexto, cabe ressaltar que preservação da ordem pública difere
de manutenção da ordem pública. Aquela é muito mais abrangente.
Preservar, neste contexto, é a manutenção e a restauração da ordem
pública. Ou seja, a missão da Polícia Militar vai muito além de apenas
manter a ordem, cabe também a Ela a restauração da ordem quando esta for
violada ou ameaçada.
Uma das medidas de prevenção e repressão criminal são a "busca e a
apreensão" tratadas no Código de Processo Penal brasileiro, entre os
artigos 240 e 250. Mas, trataremos especialmente do §2º do art. 240:
"proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de alguém
que oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior". Sugiro a leitura dessas letras!
Como identificar uma fundada suspeita? Eis a questão. O policial não
tem "bola de cristal", nem o infrator ou potencial infrator tem marcado
em sua testa: sou bandido. Os criminosos evoluem, muitos são estudiosos,
alguns até se tornam políticos, enfim. Não há dúvida de que é termo da
alçada discricionária do policial, que é cidadão, profissional,
servidor, militar, investido de prerrogativa legal e constitucional para
definir a fundada suspeita no caso concreto, por meio de
características, circunstâncias e ambientes, que lhe conduzam essa
definição.
Agora que conhecemos os principais conceitos legais e constitucionais
relacionados à abordagem e à busca pessoal, vamos aos princípios
doutrinários, ou seja, aqueles que as Academias e ou Escolas de formação
policial repassam a este, cuja formação é imprescindível para o
exercício da função policial.
São princípios da abordagem: surpresa, segurança, rapidez, ação
vigorosa e unidade de comando. Não esmiuçaremos todos esses princípios,
mas refletiremos sobre os que mais causam "transtorno" à abordagem: a
surpresa, a segurança e a ação vigorosa. Imaginemos um indivíduo em
atitude suspeita: caberá à polícia informar-lhe antecipadamente de que
lhe fará uma abordagem? E a surpresa? Deverá o policial agir sem
segurança própria, sem a devida cautela? E a verbalização ou uso da
força, quando for necessário, não deverá ser vigoroso, firme? São
questionamentos que todos devem fazer, ter empatia com a polícia, e
respondê-los. Além de obedecer a esses princípios, a abordagem policial
deve, sobretudo, ser orientada também pelos princípios da dignidade da
pessoa humana, da legalidade, da proporcionalidade, da necessidade e da
conveniência.
Muitos problemas surgem durante uma abordagem e ou busca pessoal,
muitas vezes, por simples falta de cidadania, de consciência, do
abordado ou por excesso do abordante. O abordado deve ter ciência de que
é obrigado, por Lei, a cumprir as ordens legais emanadas do policial,
senão, incorrerá em crime de desobediência - artigo 330 do Código Penal
(CP); em caso de oposição à execução de ato legal, mediante violência ou
ameaça, incorrerá no crime de resistência – artigo 329 do CP; em caso
de desacato será tipificado no crime de desacato – artigo 331 do CP.
Vale destacar que o policial, agindo dentro dos limites legais, não
comete crime quando pratica o fato em estrito cumprimento do dever legal
– excludente de ilicitude – artigo 23 do CP. Todavia, se houver
excesso, por este o policial responderá.
Diante do exposto, não há que se falar em limitação para o exercício
da Segurança Pública pela Polícia Militar, agindo pelos preceitos legais
e constitucionais. A abordagem e a busca pessoal são imprescindíveis
para o exercício da cidadania em um Estado Democrático de Direito, pois é
por meio delas que a Polícia realiza sua missão, realizando
policiamento ostensivo e mantendo a ordem pública, nas suas diversas
modalidades, como no trânsito, no meio ambiente, nas blitzes, entre
outras. O cidadão deve ser ciente e consciente de seus direitos, mas
também de seus deveres. A Segurança Pública, como reza o caput do
artigo 144 da CF, é dever do Estado, direito e responsabilidade de
todos. A comunidade deve saber que a Polícia é composta por cidadãos
devidamente habilitados a protegê-la em quaisquer circunstâncias. Não se
pode deixar que a criminalidade e a violência "roubem" a paz e o bem
estar-social. Não há dúvida de que aqueles que se opõem à Lei e à ordem
são contraventores e antidemocráticos. Destarte, a abordagem policial
tem papel relevante na prevenção criminal. Sejamos, pois, cidadãos,
sujeitos de direitos e deveres. Agindo assim, teremos uma sociedade mais
segura, justa e solidária e com qualidade de vida. Já dizia Confúcio:
"Cuida de evitar os crimes, para que não sejas obrigado a puni-los."
Este tema não se esgota aqui e merece aprofundamento.
[1]Bacharel em Segurança Pública, acadêmico de Direito e pós-graduando em Direito Militar. E-mail: mosakeb@hotmail.com
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