Publicação: 31 de Março de 2010 às 00:00
Valdir Julião - Repórter
Quase 50 anos depois da eclosão da ditadura militar, alguns norte-rio-grandenses que estiveram do outro lado do obscurantismo político defendem a revisão desse período da História do Brasil: a chamada Revolução de 31 de março de 1964, que cassou mandatos e direitos políticos dos cidadãos, perseguiu militantes de partidos ditos de esquerdas, profissionais liberais e de diversas categorias. Cerceou as liberdades individuais, censurou a imprensa e a livre expressão artístico e cultural, extinguiu partidos e criou artifícios jurídico-eleitorais para se manter no poder durante 21 anos, como o bipartidarismo, a eleição indireta dos governadores dos estados e de prefeitos das capitais e a nomeação dos senadores “biônicos”.
Este ano também fez um quarto de século - 25 anos - do fim da ditadura militar, que veio com a redemocratização do país em 1985, quando foi eleito o primeiro presidente civil depois da deposição do presidente João Goulart – o mineiro Tancredo Neves, que morreu antes de tomar posse e foi substituído pelo vice José Sarney.
Fragmentos dessa história é que precisam ser contados para as novas gerações, como conta o presidente estadual do PC do B e atual procurador do município de Natal, Antenor Roberto de Medeiros: “Ingressei no partido três anos antes da redemocratização e quando ele ainda estava na clandestinidade”, lembrou ele.
Antenor Roberto diz que “olhando pelo retrovisor”, a constatação é de que a redemocratização não podia dar uma contribuição diferente ao Brasil, “a formação de uma nova sociedade”.
Segundo Medeiros, os brasileiros “correram contra o tempo perdido” porque a ditadura militar “promoveu um divórcio da sociedade, na medida em que matou e pôs gente nas prisões”.
Porém, avaliou ele, “a sociedade se reconciliou com a sua identidade e construiu um Brasil novo”, com destaque para o acúmulo de experiências que os movimentos sociais, populares e sindicais tiveram e resultaram na luta “pela conquista de um governo alternativo ao projeto das elites”.
Medeiros analisa, no entanto, que à medida que a democracia brasileira se aprofunda, também é preciso se estudar os fatos e as consequências que levaram ao “apartheid social” nos chamados anos de chumbo do regime militar, inclusive “a perversa concentração de renda e desigualdades sociais”.
Na opinião de Medeiros, isto deve estar na ordem do dia, mas que só deve ser feito “num clima de liberdade plena”.
O militante comunista cita o caso do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que surgiu do debate da sociedade, “mas que não é nenhum processo revanchista, como alguns apressados quiseram caracterizar”.
Para ele, no caso, o país não pode tentar copiar modelos de outras sociedades, como o Chile e a Argentina, que também passaram por ditaduras militares no fim da segunda metade do século XX. “Aqui o processo de redemocratização ocorreu com um modelo diferente, passando por um colégio eleitoral”, disse Medeiros, que continuou: “A sociedade brasileira é una e tem sua própria forma de caminhar e haverá de encontrar a forma de ser dona de sua história”.
Ex-deputado e militante do PC do B, Antônio Capistrano abriu sua memória no próprio site do partido: “Eu vivi aquele momento, sou testemunha dessa história. Em 1964 eu tinha 17 anos, já militava na política estudantil e partidária, era ligado à juventude comunista e vi a agonia da democracia brasileira, o início do mais torpe dos regimes já vivenciado pelo Brasil”.
Revisão não deve ter revanchismo
O jornalista e escritor Ticiano Duarte também acha que a história durante os anos de chumbo precisa ser revista, “para ser recontada fielmente”. Ticiano Duarte chegou a ser processado pela chamada Lei de Segurança Nacional (LSN), mas foi absolvido. Foi essa sentença, que ele apresentou ao dirigente da Assessoria de Informação (ASI), uma espécie de SNI que existia dentro das universidade federais - “não lembro quem chefiava”- quando foi tomar posse e queriam impedir sua contratação como professor do curso de Jornalismo da UFRN.
Duarte também conta um episódio engraçado, ocorrido quando já havia assumido o cargo de delegado regional do Trabalho em 1985, ano da redemocratização do país. Como ainda haviam resquícios da ditadura, ele foi avisado por um amigo e parente, que um comandante do Distrito Naval, à época, havia dito ao amigo comum que ele era fichado na Marinha como comunista e simpatizante do partidão: “Achei um absurdo, porque sempre fui ligado ao PMDB e à oposição, mas nunca fui filiado ao Partido Comunista”.
Para Duarte, a ditadura militar surgiu em função “de erros de toda natureza” do presidente Jango, como a sublevação e indisciplina dentro dos quartéis, a inflação desenfreada, embora tivesse acertos, como a tentativa de implementar reformas de base, como a reforma agrária e outros avanços sociais.
Quando chegaram ao poder, avaliou Duarte, “desvirtuaram o sentido do movimento que chamaram de revolucionário, cerceando liberdades e perseguindo quem fazia oposição.
Com a anistia de 1979, Ticiano Duarte diz que veio “o perdão para os dois lados”, que resultou, anos depois, na reconquista da democracia. Por essa razão, ele disse que a história pode ser revista e reescrita, “mas sem revanchismo”.
Na opinião de Duarte, a vida política brasileira ganhou um grau de amadurecimento, assim como a imprensa, apesar do governo, em alguns momentos, pretender “de qualquer forma cercear” a liberdade de informação.
“O ensino sofreu muita censura”
Como militante estudantil nos anos 60, quando foi aluno do Atheneu Norte-rio-grandense, o professor universitário e sociólogo José Willington Germano sofreu de perto a opressão do Regime Militar.
Autor de livros importantes como o “Estado Militar e Educação no Brasil (1964/1985), que está na sua quarta edição e de “Lendo e Aprendendo: a campanha De Pé no Chão”, na segunda edição e ambos publicados pela Cortez Editora, o professor Willinton Germano lembra que os militares governaram o país por quase ¼ de século - “até mais que Getúlio Vargas”.
Por ser um período tão longo, é que ele defende que as causas e consequências da Ditadura Militar (1964-1985) precisam ser melhor explicadas para a atual e futura gerações de brasileiros.
Para ele, militarismo na política é complicado - “porque querem aplicar a disciplina da caserna a toda sociedade” -, uma coisa que historicamente prevaleceu diversas vezes na política brasileira. Tanto que os dois primeiros presidentes do país foram militares: os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano da Fonseca.
Dentro das universidades, relembrou ele, o ensino “sofreu censura de todas as formas”. Para que coisas como essas “não voltem a se repetir”, é que ele defende uma reescrita da história em relação às duas décadas de Regime Militar.
Quase 50 anos depois da eclosão da ditadura militar, alguns norte-rio-grandenses que estiveram do outro lado do obscurantismo político defendem a revisão desse período da História do Brasil: a chamada Revolução de 31 de março de 1964, que cassou mandatos e direitos políticos dos cidadãos, perseguiu militantes de partidos ditos de esquerdas, profissionais liberais e de diversas categorias. Cerceou as liberdades individuais, censurou a imprensa e a livre expressão artístico e cultural, extinguiu partidos e criou artifícios jurídico-eleitorais para se manter no poder durante 21 anos, como o bipartidarismo, a eleição indireta dos governadores dos estados e de prefeitos das capitais e a nomeação dos senadores “biônicos”.
Este ano também fez um quarto de século - 25 anos - do fim da ditadura militar, que veio com a redemocratização do país em 1985, quando foi eleito o primeiro presidente civil depois da deposição do presidente João Goulart – o mineiro Tancredo Neves, que morreu antes de tomar posse e foi substituído pelo vice José Sarney.
Fragmentos dessa história é que precisam ser contados para as novas gerações, como conta o presidente estadual do PC do B e atual procurador do município de Natal, Antenor Roberto de Medeiros: “Ingressei no partido três anos antes da redemocratização e quando ele ainda estava na clandestinidade”, lembrou ele.
Antenor Roberto diz que “olhando pelo retrovisor”, a constatação é de que a redemocratização não podia dar uma contribuição diferente ao Brasil, “a formação de uma nova sociedade”.
Segundo Medeiros, os brasileiros “correram contra o tempo perdido” porque a ditadura militar “promoveu um divórcio da sociedade, na medida em que matou e pôs gente nas prisões”.
Porém, avaliou ele, “a sociedade se reconciliou com a sua identidade e construiu um Brasil novo”, com destaque para o acúmulo de experiências que os movimentos sociais, populares e sindicais tiveram e resultaram na luta “pela conquista de um governo alternativo ao projeto das elites”.
Medeiros analisa, no entanto, que à medida que a democracia brasileira se aprofunda, também é preciso se estudar os fatos e as consequências que levaram ao “apartheid social” nos chamados anos de chumbo do regime militar, inclusive “a perversa concentração de renda e desigualdades sociais”.
Na opinião de Medeiros, isto deve estar na ordem do dia, mas que só deve ser feito “num clima de liberdade plena”.
O militante comunista cita o caso do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que surgiu do debate da sociedade, “mas que não é nenhum processo revanchista, como alguns apressados quiseram caracterizar”.
Para ele, no caso, o país não pode tentar copiar modelos de outras sociedades, como o Chile e a Argentina, que também passaram por ditaduras militares no fim da segunda metade do século XX. “Aqui o processo de redemocratização ocorreu com um modelo diferente, passando por um colégio eleitoral”, disse Medeiros, que continuou: “A sociedade brasileira é una e tem sua própria forma de caminhar e haverá de encontrar a forma de ser dona de sua história”.
Ex-deputado e militante do PC do B, Antônio Capistrano abriu sua memória no próprio site do partido: “Eu vivi aquele momento, sou testemunha dessa história. Em 1964 eu tinha 17 anos, já militava na política estudantil e partidária, era ligado à juventude comunista e vi a agonia da democracia brasileira, o início do mais torpe dos regimes já vivenciado pelo Brasil”.
Revisão não deve ter revanchismo
O jornalista e escritor Ticiano Duarte também acha que a história durante os anos de chumbo precisa ser revista, “para ser recontada fielmente”. Ticiano Duarte chegou a ser processado pela chamada Lei de Segurança Nacional (LSN), mas foi absolvido. Foi essa sentença, que ele apresentou ao dirigente da Assessoria de Informação (ASI), uma espécie de SNI que existia dentro das universidade federais - “não lembro quem chefiava”- quando foi tomar posse e queriam impedir sua contratação como professor do curso de Jornalismo da UFRN.
Duarte também conta um episódio engraçado, ocorrido quando já havia assumido o cargo de delegado regional do Trabalho em 1985, ano da redemocratização do país. Como ainda haviam resquícios da ditadura, ele foi avisado por um amigo e parente, que um comandante do Distrito Naval, à época, havia dito ao amigo comum que ele era fichado na Marinha como comunista e simpatizante do partidão: “Achei um absurdo, porque sempre fui ligado ao PMDB e à oposição, mas nunca fui filiado ao Partido Comunista”.
Para Duarte, a ditadura militar surgiu em função “de erros de toda natureza” do presidente Jango, como a sublevação e indisciplina dentro dos quartéis, a inflação desenfreada, embora tivesse acertos, como a tentativa de implementar reformas de base, como a reforma agrária e outros avanços sociais.
Quando chegaram ao poder, avaliou Duarte, “desvirtuaram o sentido do movimento que chamaram de revolucionário, cerceando liberdades e perseguindo quem fazia oposição.
Com a anistia de 1979, Ticiano Duarte diz que veio “o perdão para os dois lados”, que resultou, anos depois, na reconquista da democracia. Por essa razão, ele disse que a história pode ser revista e reescrita, “mas sem revanchismo”.
Na opinião de Duarte, a vida política brasileira ganhou um grau de amadurecimento, assim como a imprensa, apesar do governo, em alguns momentos, pretender “de qualquer forma cercear” a liberdade de informação.
“O ensino sofreu muita censura”
Como militante estudantil nos anos 60, quando foi aluno do Atheneu Norte-rio-grandense, o professor universitário e sociólogo José Willington Germano sofreu de perto a opressão do Regime Militar.
Autor de livros importantes como o “Estado Militar e Educação no Brasil (1964/1985), que está na sua quarta edição e de “Lendo e Aprendendo: a campanha De Pé no Chão”, na segunda edição e ambos publicados pela Cortez Editora, o professor Willinton Germano lembra que os militares governaram o país por quase ¼ de século - “até mais que Getúlio Vargas”.
Por ser um período tão longo, é que ele defende que as causas e consequências da Ditadura Militar (1964-1985) precisam ser melhor explicadas para a atual e futura gerações de brasileiros.
Para ele, militarismo na política é complicado - “porque querem aplicar a disciplina da caserna a toda sociedade” -, uma coisa que historicamente prevaleceu diversas vezes na política brasileira. Tanto que os dois primeiros presidentes do país foram militares: os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano da Fonseca.
Dentro das universidades, relembrou ele, o ensino “sofreu censura de todas as formas”. Para que coisas como essas “não voltem a se repetir”, é que ele defende uma reescrita da história em relação às duas décadas de Regime Militar.
http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/em-busca-dos-fragmentos-da-historia/144405
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