Uma carta publicada há três semanas por quatro neurocientistas, entre eles Sidarta Ribeiro, diretor do Instituto Internacional de Neurociências de Natal e um dos principais nomes da área no Brasil e no mundo, colocou a polêmica discussão sobre a descriminalização da maconha sob um novo prisma. Não se trata “somente” da opinião de usuários, vistos de forma negativa por boa parte da sociedade. Trata-se de um renomado cientista, respeitado pela sociedade, evocando argumentos científicos para defender politicamente a viabilidade de retirar a maconha da lista de drogas proibidas.
Coincidência ou não, um grupo de alunos da UFRN, depois de discutir o assunto, resolveu criar o Coletivo Cannabis Sativa, que hoje, às 16h, realiza a Marcha da Maconha, com o intuito de protestar pela descriminalização da droga. A marcha sairá da Praça Cívica do Campus e interromperá, por pouco tempo, o trânsito da BR-101. Vista com desconfiança pela Polícia Militar e Civil, após a atuação do Ministério Público ficou decidido que a Marcha acontecerá sob o monitoramento da polícia.
Usar, portar, vender ou fazer apologia à droga será motivo de prisão durante a Marcha, por se tratar de atividades proibidas por lei. Contudo, os organizadores, Leilane Assunção, Álvaro Andrade e Isabele Bentes, todos estudantes da UFRN, afirmam não ser esse o objetivo do protesto. “Queremos que a sociedade discuta o assunto, de maneira equilibrada, racional e sem preconceitos”, afirma Álvaro. “Essa é uma discussão um pouco mais evoluída no Sudeste, que ainda é vista sob certo preconceito no Nordeste”, complementa o neurocientista Sidarta Ribeiro.
Entre os principais argumentos utilizados pelo neurocientista, e pelos organizadores da Marcha, para defender a descriminalização é o potencial de dano ou vício da maconha. Sidarta Ribeiro afirma que cientificamente não há evidências de males causados pelo consumo de maconha. “O nosso próprio cérebro tem substâncias chamadas endocanabinóides, muito parecidos com o que é encontrado na maconha”, afirma. E complementa: “Os males relacionados ao consumo de maconha provavelmente são devidos ao ato de fumar. Não há evidência científica de que, se fosse consumida através de inalação, por exemplo, existiria dano à saúde”. A carta aberta à sociedade, enviada por Sidarta e mais três neurocientistas, argumenta da mesma forma. Para eles, a política de repressão causa mais males que o consumo da substância.
Esse é o segundo ponto de articulação dos argumentos dos defensores. Descriminalizar, permitindo inclusive o cultivo, seria, nessa ótica, uma forma de diminuir o poder do tráfico. Aliás, a ilegalidade da maconha é o motivo alegado pelos defensores, inclusive Sidarta Ribeiro, para a famosa ligação entre o uso de maconha e a porta de entrada para outras drogas. “Torna-se uma porta de entrada porque quem vende a maconha é o mesmo cara que vende o crack. Além disso, cientificamente, comparar essas duas substâncias é a mesma coisa de comparar cerveja a veneno de rato”, garante Sidarta. E encerra: “Infelizmente, as pessoas em geral ainda não tem informação suficiente para diferenciar uma substância da outra. O “povão” mesmo não faz distinção entre maconha, cocaína ou crack”
Leilane Assunção, uma das organizadoras da Marcha da Maconha, acredita que o debate sobre o tema é o melhor caminho para vencer preconceitos. Ela, e outros organizadores, querem rechaçar o esteriótipo do usuário de maconha. “As pessoas chamam de vagabundo, de maconheiro, criminoso. Queremos mostrar que somos pessoas bem sucedidas e levamos nossa vida normalmente. O nosso movimento é antes de tudo político. É um direito nosso nos manifestar sobre o que acreditamos”, diz Leilane, que faz doutorado no curso de Ciências Sociais.
Posicionamentos contrários
Não precisa ser especialista em estatística para perceber que a proposta de descriminalizar, ou legalizar, a maconha não encontra maioria na sociedade. E não é somente no público leigo. Assim como Sidarta Ribeiro, outros acadêmicos respeitados se manifestam totalmente contrários ao “afrouxamento” da legislação no que diz respeito à substância. Os argumentos utilizados pelos defensores são replicados um a um, tornando essa uma das questões mais polêmicas em discussão na sociedade atualmente.
O professor de Serviço Social, João Dantas, um dos principais pesquisadores do tema álcool e drogadição na UFRN, se diz contrário à proposta defendida pelo Coletivo Cannabis Ativa. Ele prefere não entrar em questão no que diz respeito aos argumentos “neurocientíficos” evocados por Sidarta Ribeiro. “Não é a minha área, mas eu me amparo em uma série de pesquisadores reconhecidos até internacionalmente, como o professor Ronaldo Laranjeiras, que é psiquiatra e uma das maiores autoridades sobre o assunto”, diz.
Por esse segundo ponto de vista, a Cannabis passa a ser causadora de diversos problemas de saúde. “Dependência, bronquite crônica, insuficiência respiratória, problemas de memória e diminuição do rendimento acadêmico”, esses são os principais problemas citados pelo pelo professor João Dantas, baseado em pesquisas de Ronaldo Laranjeiras, pesquisador da Universidade Estadual de São Paulo (Unifesp). João Dantas rechaça também a idéia de “droga mais leve”. “Não existe droga mais leve. É impossível prever a reação das pessoas quanto a drogas”, afirma.
Que a maconha é “porta de entrada” para drogas mais pesadas é outro argumento evocado pelo professor João Dantas, assim como pela major Margarida Brandão, coordenadora do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd). “Cerca de 80% dos crimes estão relacionados às drogas e quase a totalidade das pessoas que usam drogas pesadas começaram pelo álcool, tabaco e maconha”, diz a major, frisando que, na opinião dela, uma vida sem droga alguma, lícita ou ilícita, é o melhor para a sociedade. “Já temos uma droga lícita bastante perigosa e muito usada, que é o álcool. Liberar mais uma não traria nenhum benefício para ninguém”, acrescenta.
Liberdade
Sempre que se fala em descriminalizar a maconha, uma palavra se faz presente nos discursos: liberdade. Os defensores pretendem a liberdade de escolher se fumam ou não. “O corpo é meu e eu tenho o direito de decidir ao que eu exponho ele. Se fizer mesmo mal, a vida é minha, a escolha é minha e quem vai pagar o preço sou eu”, argumenta Jota Mombaça, de 19 anos, artista plástico e usuário de maconha há dois anos. O próprio conceito de liberdade é bastante apelativo, mas isso não é suficiente para convencer quem discorda.
Para o professor João Dantas, não dá para tratar o tema sob essa perspectiva por um motivo: a sociedade brasileira e seu Estado não estariam preparados para lidar com uma possível descriminalização. “Falam que na Holanda é permitido, na Espanha ou em outros países. Mas a comparação não procede porque são realidades muito distintas”, avalia, lembrando que no Brasil o acompanhamento e controle do poder público é deficiente, em comparação com países europeus. Um exemplo: é proibido vender bebidas alcoólicas para menores de 18 anos, todavia quem duvida da facilidade de um adolescente comprar qualquer bebida?
“Independente de ser contra ou a favor, é preciso respeitar as pessoas que defendem o seu ponto de vista. Sou contra proibir uma Marcha como essa. Eu não concordo com a descriminalização, mas se fosse fazer algo a respeito, faria uma marcha pela vida, daria a minha opinião. Assim é a democracia”, encerra o professor João Dantas. A falta de informação, de fato, é uma das mais perigosas “drogas” que existem.
Coincidência ou não, um grupo de alunos da UFRN, depois de discutir o assunto, resolveu criar o Coletivo Cannabis Sativa, que hoje, às 16h, realiza a Marcha da Maconha, com o intuito de protestar pela descriminalização da droga. A marcha sairá da Praça Cívica do Campus e interromperá, por pouco tempo, o trânsito da BR-101. Vista com desconfiança pela Polícia Militar e Civil, após a atuação do Ministério Público ficou decidido que a Marcha acontecerá sob o monitoramento da polícia.
Usar, portar, vender ou fazer apologia à droga será motivo de prisão durante a Marcha, por se tratar de atividades proibidas por lei. Contudo, os organizadores, Leilane Assunção, Álvaro Andrade e Isabele Bentes, todos estudantes da UFRN, afirmam não ser esse o objetivo do protesto. “Queremos que a sociedade discuta o assunto, de maneira equilibrada, racional e sem preconceitos”, afirma Álvaro. “Essa é uma discussão um pouco mais evoluída no Sudeste, que ainda é vista sob certo preconceito no Nordeste”, complementa o neurocientista Sidarta Ribeiro.
Entre os principais argumentos utilizados pelo neurocientista, e pelos organizadores da Marcha, para defender a descriminalização é o potencial de dano ou vício da maconha. Sidarta Ribeiro afirma que cientificamente não há evidências de males causados pelo consumo de maconha. “O nosso próprio cérebro tem substâncias chamadas endocanabinóides, muito parecidos com o que é encontrado na maconha”, afirma. E complementa: “Os males relacionados ao consumo de maconha provavelmente são devidos ao ato de fumar. Não há evidência científica de que, se fosse consumida através de inalação, por exemplo, existiria dano à saúde”. A carta aberta à sociedade, enviada por Sidarta e mais três neurocientistas, argumenta da mesma forma. Para eles, a política de repressão causa mais males que o consumo da substância.
Esse é o segundo ponto de articulação dos argumentos dos defensores. Descriminalizar, permitindo inclusive o cultivo, seria, nessa ótica, uma forma de diminuir o poder do tráfico. Aliás, a ilegalidade da maconha é o motivo alegado pelos defensores, inclusive Sidarta Ribeiro, para a famosa ligação entre o uso de maconha e a porta de entrada para outras drogas. “Torna-se uma porta de entrada porque quem vende a maconha é o mesmo cara que vende o crack. Além disso, cientificamente, comparar essas duas substâncias é a mesma coisa de comparar cerveja a veneno de rato”, garante Sidarta. E encerra: “Infelizmente, as pessoas em geral ainda não tem informação suficiente para diferenciar uma substância da outra. O “povão” mesmo não faz distinção entre maconha, cocaína ou crack”
Leilane Assunção, uma das organizadoras da Marcha da Maconha, acredita que o debate sobre o tema é o melhor caminho para vencer preconceitos. Ela, e outros organizadores, querem rechaçar o esteriótipo do usuário de maconha. “As pessoas chamam de vagabundo, de maconheiro, criminoso. Queremos mostrar que somos pessoas bem sucedidas e levamos nossa vida normalmente. O nosso movimento é antes de tudo político. É um direito nosso nos manifestar sobre o que acreditamos”, diz Leilane, que faz doutorado no curso de Ciências Sociais.
Posicionamentos contrários
Não precisa ser especialista em estatística para perceber que a proposta de descriminalizar, ou legalizar, a maconha não encontra maioria na sociedade. E não é somente no público leigo. Assim como Sidarta Ribeiro, outros acadêmicos respeitados se manifestam totalmente contrários ao “afrouxamento” da legislação no que diz respeito à substância. Os argumentos utilizados pelos defensores são replicados um a um, tornando essa uma das questões mais polêmicas em discussão na sociedade atualmente.
O professor de Serviço Social, João Dantas, um dos principais pesquisadores do tema álcool e drogadição na UFRN, se diz contrário à proposta defendida pelo Coletivo Cannabis Ativa. Ele prefere não entrar em questão no que diz respeito aos argumentos “neurocientíficos” evocados por Sidarta Ribeiro. “Não é a minha área, mas eu me amparo em uma série de pesquisadores reconhecidos até internacionalmente, como o professor Ronaldo Laranjeiras, que é psiquiatra e uma das maiores autoridades sobre o assunto”, diz.
Por esse segundo ponto de vista, a Cannabis passa a ser causadora de diversos problemas de saúde. “Dependência, bronquite crônica, insuficiência respiratória, problemas de memória e diminuição do rendimento acadêmico”, esses são os principais problemas citados pelo pelo professor João Dantas, baseado em pesquisas de Ronaldo Laranjeiras, pesquisador da Universidade Estadual de São Paulo (Unifesp). João Dantas rechaça também a idéia de “droga mais leve”. “Não existe droga mais leve. É impossível prever a reação das pessoas quanto a drogas”, afirma.
Que a maconha é “porta de entrada” para drogas mais pesadas é outro argumento evocado pelo professor João Dantas, assim como pela major Margarida Brandão, coordenadora do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd). “Cerca de 80% dos crimes estão relacionados às drogas e quase a totalidade das pessoas que usam drogas pesadas começaram pelo álcool, tabaco e maconha”, diz a major, frisando que, na opinião dela, uma vida sem droga alguma, lícita ou ilícita, é o melhor para a sociedade. “Já temos uma droga lícita bastante perigosa e muito usada, que é o álcool. Liberar mais uma não traria nenhum benefício para ninguém”, acrescenta.
Liberdade
Sempre que se fala em descriminalizar a maconha, uma palavra se faz presente nos discursos: liberdade. Os defensores pretendem a liberdade de escolher se fumam ou não. “O corpo é meu e eu tenho o direito de decidir ao que eu exponho ele. Se fizer mesmo mal, a vida é minha, a escolha é minha e quem vai pagar o preço sou eu”, argumenta Jota Mombaça, de 19 anos, artista plástico e usuário de maconha há dois anos. O próprio conceito de liberdade é bastante apelativo, mas isso não é suficiente para convencer quem discorda.
Para o professor João Dantas, não dá para tratar o tema sob essa perspectiva por um motivo: a sociedade brasileira e seu Estado não estariam preparados para lidar com uma possível descriminalização. “Falam que na Holanda é permitido, na Espanha ou em outros países. Mas a comparação não procede porque são realidades muito distintas”, avalia, lembrando que no Brasil o acompanhamento e controle do poder público é deficiente, em comparação com países europeus. Um exemplo: é proibido vender bebidas alcoólicas para menores de 18 anos, todavia quem duvida da facilidade de um adolescente comprar qualquer bebida?
“Independente de ser contra ou a favor, é preciso respeitar as pessoas que defendem o seu ponto de vista. Sou contra proibir uma Marcha como essa. Eu não concordo com a descriminalização, mas se fosse fazer algo a respeito, faria uma marcha pela vida, daria a minha opinião. Assim é a democracia”, encerra o professor João Dantas. A falta de informação, de fato, é uma das mais perigosas “drogas” que existem.
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