Com o advento da CF de 88 alterou-se a missão das Polícias Militares, ou seja a realização da Polícia ostensiva e a preservação da Ordem Pública, daí a necessidade da aproximação destas com os municípios vislumbrando melhorar a vida da sociedade.
Marlon Jorge Teza marlon@pm.sc.gov.br Veja o perfil deste autor no DireitoNet |
INTRODUÇÃO
Toda a sociedade é sabedora que as polícias militares brasileiras tem suas ações voltadas primordialmente para a prevenção. O constituinte de 1988 conscientemente confirmou, e até alargou, as missões reservadas às instituições policiais militares dos Estados e do Distrito Federal, quais sejam: a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, justamente marcadas na sua grande maioria por ações preventivas.
Por outro lado é de domínio de todos que os municípios são os detentores do poder de legislar sobre questões locais, conforme inclusive prevê a nossa Carta Política em seu Artigo 30. Dentre este poder é de ser destacado as legislações denominadas comumente de “código de posturas do município”, a qual providencia todo o disciplinamento da ocupação dos espaços públicos e privados no território do município visando uma ocupação equilibrada evitando futuros problemas aos próprios munícipes. Entre os problemas que estas legislações municipais visam evitar, encontram-se aqueles ligados com a ordem pública, como poderemos mais adiante observar.
Contudo sabemos também que os municípios não possuem especialistas em ordem pública, até porque não é sua atribuição preservar a mencionada ordem pública, já que constitucionalmente é uma tarefa das polícias militares em todo o território nacional.
Diante disso há que se indagar qual ou quais as razões que levam as polícias militares a ficarem totalmente alheias ao processo participativo junto as administrações dos municípios, não opinando e nem assessorando tecnicamente as mesmas abstendo-se de opinar na origem do problema com relação a preservação da ordem pública, como aliás atualmente já ocorre com o Corpo de Bombeiros quando realiza as análises de projetos e posteriores vistorias em empreendimentos e eventos realizados no território do município.
O PROBLEMA ATUAL
Atualmente as instituições policiais militares muito raramente são chamadas a participarem de decisões ou discussões sobre assuntos ou tomadas de decisões que dizem respeito e refletem na ordem pública, somente sendo lembradas, e aí com ênfase, quando a ordem pública é quebrada, fazendo com que elas assumam o papel meramente repressor sobre fatos que poderiam ter sido evitados.
Neste sentido, para melhor esclarecer e exemplificar, há de ser citado o trâmite para instalação de grandes empreendimentos e que geralmente trazem modificações ao ambiente, aí incluídos os relacionados com a ordem pública, tais como: grandes condomínios; shoppings; grandes indústrias; estádios desportivos; centro de convenções e outros. Nestes casos as administrações municipais (Prefeituras), a quem compete a chancela autorizativa, chamam a opinar e expedir seus alvarás, órgãos de meio ambiente, bombeiros, Vigilância Sanitária e outros, mas nunca a Polícia Militar, justamente aquela que poderia opinar e, se necessário, corrigir os rumos do empreendimento, agindo preventivamente como polícia administrativa, já que estes poderão trazer (e quase sempre trazem) conseqüências drásticas ao ambiente no que diz respeito a ordem pública.
Com freqüência, após instalado um empreendimento, são constados vários problemas que de certa forma estão relacionados com ordem pública, pois o seu simples funcionamento, após as devidas “autorizações” trazem vários problemas, tais como: trânsito de veículos e de pedestres dificultado; falta de vagas para estacionamento; falta de iluminação adequada; falta de sinalização externa adequada; emissão de sons perturbadores, dentre outros que realmente levam a quebra da ordem pública, sendo necessário como já dito, aí sim, a interferência da Polícia Militar para tentar que a ordem pública já quebrada seja restabelecida. O que ocorre porém nestes casos é que a atuação policial militar visando restabelecer a ordem fica inviável pois o empreendimento não possibilita com a simples interferência policial militar restabelecê-la.
Não obstante aos problemas ocasionados quando da realização de grandes empreendimentos, temos ainda os empreendimentos eventuais, aqueles relacionados a eventos temporais (passageiros), tais como: shows artísticos culturais; disputas desportivas; feiras; congressos; dentre outros, onde inclusive sempre a Instituição Policial Militar é “convocada” para realizar o “policiamento”, porém não a permitem ser a verdadeira Polícia Ostensiva participando de cada passo do processo autorizativo para a realização do evento.
A NECESSÁRIA PARTICIPAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR
É preponderante, urgente e necessário a participação das instituições policiais militares, através de seus profissionais, na pré-análise dos mencionados empreendimentos e eventos, opinando para a correção dos aspectos que poderão, se não corrigidos a tempo, levar a ocorrência de sérios problemas que o simples “policiamento ostensivo” não pode corrigir, pois se a ordem pública for quebrada nesta situação não há como restabelecê-la com facilidade.
É necessário, contudo, quebrar barreiras através do esclarecimento tanto aos administradores municipais quanto dos próprios administradores (Comandantes) das Organizações Policiais Militares espalhadas por todo o território brasileiro. É necessário e imprescindível que estes sintam que a ordem pública, interessante a toda a sociedade, poderá ser mantida com mais facilidade se a Polícia Militar exercer sua autoridade de Polícia Ostensiva, conferida pela Constituição Federal quando for participante ativa de todo o processo. Há que ser canalizado esforços para propiciar tal participação inclusive adotando no município legislação que exija, a exemplo do que já ocorre em relação ao Corpo de Bombeiros, para autorizar a instalação de um empreendimento ou evento no município a análise e acompanhamento da Polícia Militar.
ASPECTOS LEGAIS E DOUTRINÁRIOS
É claro e evidente que se faz necessário uma análise da legislação e de aspectos doutrinários para provar que as polícias militares podem e devem ter participação em todo este processo.
Não se poderia iniciar análise dos aspectos legais e doutrinários sem antes mencionar a Constituição Federal, mais especificamente o § 5º do Art. 144, no que se refere a Polícia Militar: "Às Polícias Militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública...”
O Decreto-Lei 667, recepcionado pela Constituição Federal, menciona de forma inconteste a competência das Polícias Militares Art. 3º Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna, nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições...” a) executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos; b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem; c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas;”. Fica evidente que a legislação mencionada realça os aspectos preventivos reservado às Policiais Militares quando da sua atuação.
O Decreto Federal 88.777 (R-200) Regulamento para as Polícias Militares trás a seguinte definição:“Ordem Pública: conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo Poder de Polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum”. Na verdade é de ser entendido ORDEM PÚBLICA por tudo aquilo (fatos) que venha a quebrar a harmonia da sociedade e que sua garantia, especialmente por ações preventivas, contribui para o desejado e almejado bem comum.
O parecer GM-25, encomendado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República para que fosse esmiuçada a missão, a competência e as atribuições das Polícias Militares em caso de terem as Forças Armadas que substituí-las temporariamente em alguma parte do território Nacional, tendo sido aprovado pelo então Advogado Geral da União Gilmar Mendes, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, e posteriormente homologado pelo próprio Presidente da República para fins de adotá-lo na prática, fazendo-o publicar no Diário Oficial da União em de 13 de agosto de 2001, portanto fazendo parte integrante de todo o arcabouço doutrinário em vigor, esclarece vários aspectos sobre o alcance da POLÍCIA OSTENSIVA e a PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA que são afetas as Polícias Militares no território nacional.
Disserta o referido parecer, com base na legislação em vigor (Decreto-Lei 667 e Decreto Federa 88.777) bem como suportado ainda pelos doutrinadores: JOSÉ AFONSO DA SILVA; ALVARO LAZZARINI; DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO; e outros, que a: “polícia ostensiva, é uma expressão nova, não só no texto constitucional como na nomenclatura da especialidade. Foi adotada por dois motivos: o primeiro, de estabelecer a exclusividade constitucional e, o segundo, para marcar aexpansão da competência policial dos policiais militares, além do "policiamento" ostensivo”. Fica claro, portanto, que às polícias militares não podem mais ficar tão somente realizando o já velho e calejado policiamento ostensivo, não que isso não seja importante, mas sim que a atuação das Instituições devem ir muito além. Seguindo em frente, mais adiante o GM-25 explica que: “Para bem entender esse segundo aspecto, é mister ter presente que o policiamento é apenas uma fase da atividade de polícia”. Diz também ainda que: “A atuação do Estado, no exercício de seu poder de polícia, se desenvolve em quatro fases: a ordem de polícia, o consentimento de polícia, a fiscalização de polícia e a sanção de polícia. A ordem de polícia se contém num preceito, que, necessariamente, nasce da lei, pois se trata de uma reserva legal (art. 5º, II), e pode ser enriquecido discricionariamente, consoante as circunstâncias, pela Administração. ... O consentimento de polícia, quando couber, será a anuência, vinculada ou discricionária, do Estado com a atividade submetida ao preceito vedativo relativo, sempre que satisfeitos os condicionamentos exigidos. ... A fiscalização de polícia é uma forma ordinária e inafastável de atuação administrativa, através da qual se verifica o cumprimento da ordem de polícia ou a regularidade da atividade já consentida por uma licença ou uma autorização. A fiscalização pode ser ex officio ou provocada. No caso específico da atuação da polícia de preservação da ordem pública, é que toma o nome de policiamento. Finalmente, a sanção de polícia é a atuação administrativa auto-executória que se destina à repressão da infração”. Fica esclarecido e patente que na atuação da Polícia Militar enquanto POLÍCIA OSTENSIVA cabe ações muito além do policiamento ostensivo que é somente uma destas fases, se encaixando justamente naquilo que se refere o presente artigo.
Ainda Álvaro Lazzarini, quando de sua palestra durante o I Congresso Sul-Brasileiro de Oficiais Militares, realizado em junho de 2005 em Florianópolis-SC, discorreu sobre o tema do presente artigo, lembrando a todos os congressistas presentes do seguinte: “Eu não tenho a menor dúvida que a Polícia Militar, tem que estar engajada com cidade na resolução dos seus problemas. Nas forças policiais Nacionais da Europa, o engajamento dessas com a cidade é muito forte”. Também na mesma palestra, Lazzarini, ao responder uma pergunta de congressista, novamente reafirmou suas palavras, inclusive citando o exemplo de São Paulo, cidade onde reside: “Em São Paulo, pelo menos, todos os órgãos são ouvidos na construção de um prédio por exemplo, só que a Polícia Militar não é ouvida, não participa em nada e, depois, tem que administrar os problemas decorrentes. Eu já tenho sustentado mais de uma vez que a Polícia Militar também tem que ser ouvida”.
Em resumo, os aspectos Constitucionais, Legais e Doutrinários levam a entender que às polícias militares cabem a POLÍCIA OSTENSIVA e a PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA e que delas se espera, pois é de sua competência, não só ações de fiscalização (policiamento), mas também ações que comportem todas as fases do poder de polícia dando por conseguinte, poderes para que participe do “antes” e do “depois” do policiamento ostensivo, vindo ao encontro da proposta colocada neste artigo.
Quanto ao aspecto do Município legislar sobre as questões locais, no caso em tela as “posturas municipais” para o disciplinamento das exigências para a realização no território do Município de empreendimentos e eventos, não há qualquer questionamento, podendo inclusive inserir a Polícia Militar como partícipe, a exemplo do que já ocorre na maioria destes em relação ao Corpo de Bombeiros. Neste sentido a própria Constituição Federal autoriza em seu Artigo 30 o Município legislar sobre “assuntos de interesse local”.
Finalmente há que ser mencionado a Lei Federal nº 10.257 de 10 de julho de 2001, denominada de “Estatuto das Cidades”, a qual estabelece diretrizes gerais deda política urbana dentre outros, sendo clara no seu artigo 36 “Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal.” O dispositivo mencionado confirma que a lei municipal é encarregada de organizar e definir os empreendimento e atividades que poderão causar impacto à vizinhança e que dependerão de estudos autorizações licenças para prosperarem, e dentre os quais obviamente estão aqueles relacionados à ordem pública e que, nesse caso, dependerão da participação da Polícia Militar para realizar as tarefas que lhe competem como Polícia Ostensiva.
PROPOSTAS
As propostas para todos os dirigentes (Comandantes) das Organizações Policiais Militares são:
- Difusão das idéias apresentadas no presente artigo, demonstrando que cabe a Polícia Militar a participação junto ao município nos empreendimentos e eventos que possam causar futuros problemas de ordem pública;
- Gestão junto as administrações municipais para que insiram em suas legislações a necessidade da Polícia Militar estar inclusa em todo o processo quando da realização de empreendimentos e eventos públicos e privados que possam trazer problemas de ordem pública, desde a sua viabilização técnica, aprovação dos projetos e vistorias finais visando a sua liberação;
- Preparar no âmbito das Instituições Policiais Militares, normas técnicas a serem seguidas pelos policiais militares quando da análise para viabilização técnica, para a aprovação de projetos e posterior vistorias em empreendimentos ou eventos que possam trazer impacto na ordem pública;
- Providenciar no âmbito das Instituições Policiais Militares treinamento para preparação de pessoal visando a realização das análises para viabilização técnica, para aprovação de projetos e vistorias em empreendimentos ou eventos que possam trazer impacto na ordem pública no âmbito do município.
CONCLUSÃO
Quando houver a preocupação por parte das autoridades municipais e da própria Polícia Militar em inseri-la como participante neste contexto, a Polícia Militar passará exercer na plenitude sua missão maior que é a prevenção antecipando-se a futuros problemas, pois atualmente o que se vê, e com freqüência, é que estas Instituições estão voltadas quase que exclusivamente para as ações reativas de cunho repressivo.
A Polícia Militar, se adotadas as propostas, passará a colaborar mais intensamente no sentido de diminuir o impacto que alguns empreendimentos e eventos trazem à segurança pública, ocasionando como conseqüência, uma melhor qualidade de vida ao cidadão.
Na realidade o desejo maior é chamar a reflexão para que sejam adotados mecanismos legais visando o chamamento, nestes casos, da participação da Polícia Militar.
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