sábado, 29 de janeiro de 2011

Direitos Humanos para os policiais: "É preciso reformar regulamentos das polícias estaduais e mudar o modelo da formação"


Por Cecília Olliveira

A poucos dias do fim de 2010, já em meio ao clima de festas e dispersão, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) e Ministério da Justiça (MJ) estabeleceram, por meio de portaria
interministerial, as diretrizes nacionais de promoção e defesa dos direitos humanos dos profissionais de segurança pública.

A portaria constitui mecanismos para estimular e monitorar iniciativas que visem à implementação de ações para efetivação destas diretrizes em todos os estados, respeitada a repartição de competências prevista no artigo 144 da Constituição, que versa sobre as responsabilidades de cada estado em relação à segurança pública. A portaria entrou em vigor no dia 16 de dezembro.

“É um marco para Segurança Pública do país”, frisa o policial militar de Goiás Niedson Martins, que ministra oficinas de mídias sociais na Academia da PM. Para ele, a portaria “adequa, valoriza, assegura, garante, proporciona, zela , considera, adota, fortalece e implementa direitos que até então não existiam”.

O oficial da Polícia Militar da Bahia, autor do blog Abordagem Policial, Danillo Ferreira também concorda com a importância da Portaria, mas pondera: “Primeiro é preciso dizer que as diretrizes publicadas pelo MJ e pela SEDH não obrigam as polícias a aderirem ao que elas dispõem, mas servirão como orientações para as políticas de segurança pública desenvolvidas pela União, inclusive quando da liberação de recursos para estados e municípios, que sofrerão retaliações caso não apliquem o disposto na Portaria”, aponta.

No entanto, Ferreira diz que a iniciativa se trata “de uma medida pioneira, que há tempos deveria ter sido executada, pois muito se fala e se reclama sobre os direitos humanos dos policiais no âmbito das polícias (quem nunca ouviu o chavão ‘direitos humanos são só para bandido?’), mas nunca houve uma compilação tão precisa e legítima de quais são os pontos a serem observados quando se fala nisso”.

Ainda de acordo com Ferreira, para que a Portaria seja cumprida efetivamente, é imprescindível reformar os regulamentos das polícias estaduais e mudar o modelo da formação, que ainda está muito ligada, principalmente no caso das Polícias Militares, a aspectos dispensáveis do militarismo das Forças Armadas. “É preciso atingir em cheio a cultura em que os comandos e as chefias dispõem dos direitos fundamentais dos policiais”, diz.



Liberdade de Expressão

O terceiro tópico da portaria é controverso e até polêmico, embora trate de algo elementar aos demais cidadãos brasileiros: “Assegurar o exercício do direito de opinião e a liberdade de expressão dos profissionais de segurança pública, especialmente por meio da internet, blogs, sites e fóruns de discussão, à luz da Constituição Federal de 1988”.

De acordo com Niedson, em Goiás o uso de redes sociais é incentivado pelo comando da corporação, que é participativo e até oferece cursos para os policiais através de uma parceria entre a Assessoria de Comunicação e a Gerência de Ensino. “Todos os policiais têm acesso livre para conversar com o comandante e levar sua sugestão de melhoria para a instituição. Aqui há blogs que criticam diariamente o governo e a instituição. No entanto, são vistos como aliados por abrir os olhos para a melhoria e evolução. Como existe esta liberdade de acesso, e não há punições às críticas, mas sim incentivos, não existem blogs anônimos”, afirma.

Mas nem em todo estado é assim. Niedson, criador da Blogosfera Policial – Blog que agrega vários Blogs de temática policial do país – lembra que há cerca de dois anos, “blogueiros policiais estavam sendo punidos com a suspensão de seus blogs e até sendo presos só por emitir sua opinião, não importando qual fosse o seu teor”. Ele deu o exemplo do Coronel Menezes que foi preso por comentar no blog do Major Alexandre, ambos militares do Rio de Janeiro. “Ele apenas havia comentado que policiais do estado fazem bico porque ganham pouco. A sua opinião custou sete dias de prisão, repercussão internacional e o surgimento de dezenas de outras manifestações, além de contas no twitter e facebook”, explicou.

Major Alexandre, à época ainda Capitão, também virou manchete em outubro passado. Ele foi punido com 20 dias de prisão administrativa por ter comentado a sua nomeação para determinado cargo na corporação no Twitter. Para o soldado, “a maioria dos agentes públicos da área de segurança tem medo de expressar seus conhecimentos e opiniões devido aos resquícios que ficaram da ditadura”.

Como as diretrizes não têm força legal suficiente para obrigar os estados a cumprirem a portaria, é possível que algumas coisas continuem como estão. “Creio que ainda teremos muitas medidas repressivas aos policiais que se aventuram a expor sua opinião, a depender da chefia ou comando a que ele está submetido. Os regulamentos são permissivos à punição. A cultura do superior hierárquico intocável ainda prevalece na consciência de muitos”, avalia Danillo Ferreira.

De acordo com o oficial, “a liberdade de expressão não é vista por muitos como direito humano, pois ignoram o quanto a comunicação e a opinião são indispensáveis à sociabilização, algo inerente à natureza humana. Outros defendem a censura perversamente, visando a ocultar práticas negativas e geralmente tentando se sustentar numa posição política. Com a internet, essa postura se tornou ridícula, e o choque de culturas é inevitável.

Nesse sentido, as Diretrizes são um primeiro passo na defesa de algo revolucionário em favor daqueles que vivem calados e intimidados com uma estrutura de censura nas polícias”.


Fonte: Blog Arma Branca
 
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