sábado, 18 de fevereiro de 2012

Com arma na mão, policiais decidem entre a vida e a morte


Algumas ações erradas têm tirado a vida de inocentes e colocado a polícia em xeque. PM mostra como deve ser feita abordagem sem risco de morte para vítimas.

Por Thyago Macedo
 
 
Fotos: Vlademir Alexandre
Policiais costumam dizer: o que muitos levam horas para julgar, nós temos que decidir em frações de segundo. Na semana passada, o Brasil acompanhou uma decisão errada durante uma abordagem policial que resultou na morte do menino João Roberto, de apenas 3 anos, no Rio de Janeiro. Diante disso, levantou-se um questionamento na sociedade: nossa polícia é bem preparada?

Neste primeiro semestre, duas vidas de inocentes também foram ceifadas por erros de abordagem cometidos por policiais do Rio Grande do Norte. O primeiro deles aconteceu durante o carnaval da cidade de Macau, quando um PM, que não estava de serviço, envolveu-se em uma confusão com dois outros rapazes, sacou sua arma e atirou em direção à multidão.

A estudante Cínthia Luciana Reis Queiroz, 13, foi atingida na cabeça e morreu na hora, no dia 6 de fevereiro. O outro caso aconteceu no dia 4 de maio, quando três homens entraram em um mercadinho para assaltar, em Parnamirim, e, na fuga, um deles levou a jovem Evânia da Silva Alves, 17, como refém. O assaltante Ronaldo Santana atirou contra policiais militares que revidaram, mesmo sabendo da presença da refém no veículo do acusado. Evânia foi atingida por três tiros e morreu.

Nesses dois casos, as ações dos PMs foram erradas? Para a própria polícia, sim. Na sexta-feira da semana passada (4), o Comando da Polícia Militar confirmou a expulsão do soldado Ednaldo Manoel do Nascimento, que atirou em Cínthia. Quanto aos policiais Glauber Evangelista Candido Barbosa e Albanísio Silva de Paiva, ambos foram indiciados por homicídio pela morte de Evânia da Silva.
Capitão Marinho: "Assim como o bandido, o policial também sai de dentro da sociedade".
Para o capitão da Polícia Militar Antônio Marinho da Silva, responsável pela elaboração do Manual Básico de Técnicas de Abordagem Policial, não é fácil estar em uma situação de grande tensão com uma arma na mão e ter que decidir o que fazer em poucos segundos. "Em um momento como esse, o policial tem que pensar rápido e analisar o risco que aquela situação representa para a vida do refém, para sua vida e também do criminoso. No entanto, o uso da força letal (arma de fogo) sempre deve ser o último recurso de uma abordagem policial".

O Manual criado pelo capitão em 2007 é utilizado durante a formação de soldados da Polícia Militar. No curso, os novos PMs aprendem na prática o que está no papel. São seis meses de treinamento, onde os cadetes passam por teste psicológico e físico e são orientados a desenvolver três fases durante uma abordagem: o planejamento mental, o plano da ação e a execução.

No entanto, apesar de receber um treinamento voltado ao exercício da teoria, o próprio capitão Marinho ressalta que na prática a história é um pouco diferente. "Assim como o criminoso, o policial também sai de dentro da sociedade. Quem trabalha na polícia tem seus direitos e deveres. Porém, a personalidade de cada pessoa não muda em seis meses. A pessoa pode ser aprovada no concurso da PM, passar nos treinamentos, mas, se ela tem em si um caráter questionável, como o perfil de uma pessoa agressiva, isso vai para as ruas".

Denúncias

Para o ouvidor da Polícia do Rio Grande do Norte, Geraldo Wanderley, o problema de uma abordagem mal feita está na falta de orientação da própria população. Pensando nisso, a Ouvidoria desenvolveu uma campanha para educar a sociedade e também os policiais para que esse contato não seja feito de maneira truculenta. "A sociedade não tem o conhecimento de como devem trabalhar os policiais e, por isso, a polícia termina trabalhando do jeito que quer", disse.

Geraldo Wanderley informa que, atualmente, as denúncias mais comuns junto ao órgão são de agressões físicas e abuso de autoridade. "Temos relatos de policial ter atirado contra a pessoa mesmo depois de ela estar algemada e colocada no chão. Contudo, a sociedade não reivindica, não denuncia e não exige que se tomem providências. Então, nossa perspectiva de gerar a discussão e o conhecimento da ação policial é na esperança de que a sociedade reaja à atuação equivocada, errada, ilegal e não ética da polícia".
"Precisamos é de uma polícia cidadã", afirma Geraldo Wanderley.
O ouvidor destacou ainda que são comuns as informações de operações truculentas da polícia. No entanto, na maioria dos casos, a Ouvidoria não pode oficializar a denúncia porque a família não autoriza. Geraldo Wanderley frisou que isso acontece pelo fato de boa parte das pessoas que sofrem abusos estarem presas e, temendo pela vida, os parentes preferem não levar o caso adiante.

"O que nós precisamos é de uma polícia cidadã, que atue dentro de padrões que obedeçam à lei, à técnica que eles aprendem na formação e à ética que se volta para o respeito e a dignidade da pessoa humana. Se isso não acontece na prática não é porque a polícia não conhece e sim porque ela não incorpora uma visão humanística de respeito ao cidadão".

De acordo com o ouvidor, a maioria dos policiais sabe como fazer uma abordagem correta, mas, se não o fazem é porque não tem isso como um valor a ser seguido. Indo de encontro ao que o capitão Marinho falou, Geraldo Wanderley diz: "A formação que eles recebem, apesar de ensinar todas as técnicas, não chega a ser suficiente para modificar a conduta e o comportamento de um policial".

A campanha da Ouvidoria sobre abordagem policial teve início no ano passado. Geraldo informou que o órgão vem distribuindo cartilhas e folders a respeito do tema. Em um dos materiais, o cidadão é orientado a, em caso de abordagem, manter a calma, deixar as mãos visíveis, não fazer movimentos bruscos e não discutir com o soldado da polícia.

O capitão Antônio Marinho reforça as informações apresentadas nos folders da Ouvidoria e destaca que todo policial é orientado a respeitar as pessoas durante uma abordagem. "A gente sempre diz que ou se prende um bandido ou se faz um amigo. Muitas vezes, a pessoa que passa por uma abordagem fica chateada ou se exalta. Porém, ela não vê que aquilo é para o próprio bem dela. Então, nós sempre pedimos que após a revista, se nada for encontrado, o PM deve pedir desculpa pelo transtorno, explicar que aquilo é uma operação para localizar algum suspeito e agradecer ao cidadão".

Simulação de abordagem a veículo:



Foto 1 - Viatura com três policiais encosta no veículo suspeito pelo lado do motorista do carro a ser abordado. Os policiais descem com arma em mãos e, através de um megafone, inicia o contato com os suspeitos.

Foto 2 - Policiais pedem que motorista e passageiro coloquem as mãos para fora. Em seguida, a chave do veículo abordado deve ser colocada no teto do carro.

Foto 3 - Os ocupantes abrem as portas e descem com as mãos na cabeça, ficando de costa para os policiais na parte de trás do carro.

Foto 4 - Enquanto um policial faz a cobertura, o outro se aproxima dos suspeitos para realizar a revista. O dedo do policial deve permanecer fora do gatilho da arma.

Foto 5 - Após revistar os suspeitos, o policial vai até o veículo para verificar se não há mais alguém dentro ou se há armas.

Foto 6 - Última parte do carro a ser revistada é o porta-malas. Um policial abre enquanto outro aponta a arma. Isso acontece porque no compartimento pode haver algum outro suspeito ou até mesmo uma vítima de seqüestro.

Capitão Marinho explicou que essa simulação representa o procedimento padrão adotado por policiais nas ruas de Natal. Ele ressaltou que em nenhum momento o PM deve usar de truculência ou imprudência. Em caso de durante uma abordagem a polícia identificar que existem vítimas dentro de um veículo, como aconteceu em Parnamirim, o procedimento a ser adotado seria: conter (furando os pneus do carro), isolar a área e iniciar negociação com os criminosos.

*Matéria publicada no jornal Nasemana, em 12/07/2008.
 http://www.nominuto.com/noticias/policia/com-arma-na-mao-policiais-decidem-entre-a-vida-e-a-morte/18982/

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