Fundamentos do tiro: Empunhadura
Segundo artigo de um total de seis da série Fundamentos do Tiro de autoria do medalhista pan-americano e técnico de Tiro Esportivo Silvio Aguiar.
É só ler e treinar.
Empunhadura - física e técnica – o segundo fundamento
A importância da correta empunhadura física, ou seja, o cabo da sua arma corretamente ajustado à sua mão, já foi enfatizado em artigos anteriores, mas cabe lembrar o ponto principal: proporcionar de forma natural o alinhamento da figura alça e massa, tanto em altura como na horizontal, com a arma na posição de disparo.
Lembro-me de um Grande Prêmio Brasil, no estande da Vila Militar, que o atirador alemão de tiro rápido disparou mais de 500 tiros no treino, dois dias antes da competição, para literalmente refazer o seu cabo envolvente (permitido na época). Ao chegar ao Brasil, devido às condições climáticas, sua mão não entrava no cabo. Felizmente, já havia uma massa de secagem rápida (plastic wood) que lhe permitiu moldar um novo cabo. Hoje, apenas na Pistola Livre é permitido o uso de cabo envolvente, desde que não cubra o pulso, impedindo o movimento vertical do mesmo.
Assim, não só o atirador tem que saber como ajustar o seu cabo, como só a ele cabe essa importante tarefa. No máximo, você pode partir de um cabo feito por terceiros, porém o ajuste fino da empunhadura, só você é capaz de fazê-lo com exatidão.
Atualmente, os cabos permitem diversos ajustes que possibilitam chegar ao alinhamento natural com certa facilidade. Porém, um pouco de “plastic wood” e umas lixadas sempre serão necessárias.
Se o cabo já cumpre com a tarefa de alinhar naturalmente o jogo de miras, o que mais importa no hábito de empunhar? Que influência o ato de segurar a arma tem no desempenho do atleta? Chegamos então à empunhadura técnica, ou melhor, na técnica de empunhar a arma.
Para montar o modelo mental do hábito correto do fundamento “empunhadura”, vamos recorrer a alguns conceitos de balística interna e da física.
No momento que pressionamos o gatilho e liberamos o percussor, esse ao atingir a cápsula (ou espoleta) deflagra a queima da pólvora, iniciando o movimento do projétil pelo cano da arma. O projétil, ao ser empurrado para frente pela pressão interna do cano, engasta nas raias e, ao mesmo tempo em que desliza pelo cano, ganha um movimento de rotação provocado pelo projeto das raias.
No momento em que se inicia o movimento do projétil dentro do cano, para que ele seja impulsionado para frente, uma força de igual intensidade e direção contrária (ação e reação) empurra a arma para trás, causando o que chamamos de “recuo” ou “coice”. Essa força tem sua intensidade determinada pelo tipo de munição que utilizamos, e tem como eixo de aplicação o eixo do cano.
Como estamos “empunhando” a arma, nossa mão recebe a ação direta desta força e para evitar que a arma venha para trás, produz uma força de reação ao recuo, só que num eixo paralelo e abaixo do cano. Forças iguais e contrárias, atuando em eixos paralelos geram um binário; nesse caso, dois: um atuando no plano vertical e outro no plano horizontal.
Esses binários são responsáveis pelos ângulos de salto nos respectivos planos, que fazem com que o cano se desloque para cima e para o lado esquerdo ou direito, dependendo da mão que utilizamos para empunhar a arma.
Voltando ao projétil, observamos que os ângulos de salto ocorrem durante o curto período (“delta t”) que ele percorre o cano, fazendo com que no momento em que ele (o projétil) deixa a boca do cano, tenha o ponto inicial da sua trajetória determinado pela amplitude dos dois ângulos de salto.
Já que o “recuo” é inevitável, para que tenhamos um bom agrupamento dos impactos no alvo é necessário que para todos os disparos os ângulos de salto sejam os mais uniformes possíveis. Isso requer (como tudo no processo do disparo) conformidade. No caso da empunhadura, conformidade é conseguida por duas ações: empunhar, durante todo o processo do disparo, com a mão sempre no mesmo lugar e empunhar sempre com a mesma força.
Se o nosso cabo está “pronto”, permitindo sem esforço o alinhamento da figura alça/massa, a conformidade de posicionamento da mão para todos os disparos está praticamente garantida. Mesmo nas pistolas (semi-automáticas e revólveres) de punho não anatômico, é fácil encontrar uma referência tátil (sinestésica) que permita reproduzir a mesma empunhadura para todos os disparos.
Empunhar sempre com a mesma força traz como conseqüência direta uma pergunta: com que força deve empunhar? A resposta converge para a premissa máxima do nosso esporte: comodidade. Qualquer força entre a arma cair da sua mão (força mínima) ou a arma começar a tremer (força máxima), responde corretamente a pergunta; desde que essa força não lhe provoque uma incômoda sensação de que estou apertando pouco ou muito o cabo da arma.
O melhor caminho é deixar que o seu cérebro “encontre”, de forma inconsciente, a força ideal. Ele faz isso facilmente; basta você solicitá-lo e não mais atrapalhá-lo com a sua “arrogância consciente”. Tentar encontrar a “força ideal de empunhadura” é o mesmo que tentar racionalizar com que força deve segurar a caneta na hora de escrever. Mestre Silvino, na sua sabedoria, recomendava: segure a arma como se fosse um passarinho; se soltar ele voa, se apertar ele morre.
O que realmente importa não é com que força você empunha, mas sim que o faça sempre com a mesma intensidade e que a mantenha igual durante todo o processo do disparo. Dessa forma, os ângulos de salto ou o “recuo” serão os mesmos para todos os disparos, provocando o mesmo “desvio” no ponto inicial da trajetória dos projéteis. Trazer o centro do agrupamento para o centro do alvo é feito pela “poderosa” chave de “click”.
Nessa altura, você que é inteligente, já percebeu que o fundamento “empunhadura” se aprende e treina junto com o fundamento “posição interior”, uma vez que ao exercitá-la desenvolvemos e fixamos a “memória muscular” responsável pelo controle da estabilidade e imobilidade do conjunto atirador/arma, do qual empunhar é parte integrante.
Então, o exercício de “posição interior” (artigo anterior) ganha uma maior amplitude na medida em que introduzimos no seu modelo mental a atitude de empunhar com força constante e sempre igual, desenvolvendo a percepção sinestésica da pressão e do contato da mão com a arma.
Ao treinar “posição interior” estamos “ensinando” nosso cérebro como queremos que ele mantenha, de forma pró ativa, a estabilidade e o tônus muscular do corpo como um todo, incluindo o hábito correto de empunhar. Uma vez aprendida, é só treinar, treinar, treinar.
Já ia me esquecendo: o alemão, aquele que refez o cabo da pistola, ganhou no dia seguinte a prova de Tiro Rápido do Grande Prêmio Brasil.
Use sua inteligência para transportar para sua modalidade os conceitos da correta empunhadura, seja ela carabina, prato, etc.
http://www.primeirostiros.com.br/2012/04/fundamentos-do-tiro-empunhadura.html
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