Publicação: 04 de Abril de 2010 às 00:00
Roberta Trindade repórter
Qual a sua análise sobre a criminalidade no RN e no país?Aumentou o número de crimes ou cresceu a sensação de insegurança da população?
Afora os dados relativos à mortalidade, fáceis de conseguir devido ao Sistema Único de Saúde do Brasil (Datasus), temos imensas dificuldades em trabalhar com dados relacionados à violência e à criminalidade no país, porque em todo o mundo, aqui mais do que em qualquer outro lugar, uma grande parte das vítimas de delitos não denuncia aos organismos policiais. Por outro lado, ainda não temos uma cultura de accountability (termo da língua inglesa, sem tradução exata para o português, que remete à obrigação de membros de um órgão administrativo ou representativo de prestar contas) por parte de nossas polícias. Isto é, apenas em alguns estados do país existem esforços no sentido de tornar transparentes os resultados alcançados pelo trabalho policial, que são políticas públicas de segurança baseadas no achismo e no atendimento de demandas imediatistas. Isso é desastroso.
E quanto à situação do Rio Grande do Norte?
Temos tido um aumento significativo dos homicídios na Grande Natal. Em parte relacionados ao tráfico de drogas, esses homicídios atingem seletivamente determinados estratos da população. São os jovens negros da periferia, do sexo masculino e com idade entre 15 e 25 anos. Há, portanto, um corte de classe muito claro nessa violência extrema. Por outro lado, temos o crescimento do crime contra o patrimônio (roubos e assaltos). Este tipo de crime é o que mais afeta a classe média. É também o que serve de referência para suas elaborações sobre a insegurança e para a demanda por mais policiamento. Natal está na contramão da tendência nacional de diminuição dos homicídios. Durante anos, as autoridades locais acomodaram-se no fato de que as estatísticas apontavam que a capital do RN tinha as menores taxas de homicídios do país. Mas, aí é que está o problema, estas taxas têm sido sempre crescentes. E esse crescimento, mesmo que relacionado a eventos que ocorrem nas áreas periféricas, contamina a percepção geral da população.
No interior...
O crescimento dos homicídios no interior relacionam-se a dois aspectos principais: em primeiro lugar, ao espraiamento do tráfico de drogas, especialmente o crack, para os pequenos municípios e para as áreas rurais. Em segundo, à precariedade da Segurança Pública no vasto território do interior. A conjugação desses dois fatores, mais elementos estruturais, como uma cultura de violência e carências seculares, que traduzem-se num fechamento de horizontes para jovens e adolescentes, alavancam essa violência por todo o interior.
Como o senhor avalia a justiça no Brasil?
Olha, parece-me um tanto demagógico ficarmos atirando pedras no judiciário, denunciando a sua morosidade ou a sua parcialidade. O problema é mais em baixo: diz respeito à nossa cidadania inconclusa. Temos avançado positivamente nesse terreno, mas a justiça não deixa de espelhar uma sociedade alicerçada historicamente na violência contra as chamadas “classes perigosas” (negros e pobres). O que eu quero dizer? Que temos uma estrutura competente para enquadrar as pessoas que cometeram delitos quando estes pertencem aos estratos inferiores da estrutura social, mas com imensas dificuldades para enfrentar a criminalidade mais organizada ou ligada aos estratos médios e superiores.
Mas, como disse, não se trata de cedermos a um discurso fácil e demagógico e criticarmos de forma irresponsável e simplista o judiciário. Se existem referentes negativos, também podemos apontar inúmeras experiências e práticas positivas e bem sucedidas. Para não falar aqui dessa grande conquista da democracia e da cidadania em nosso país que tem sido a atuação, em geral, do Ministério Público.
Em Natal, duas mulheres ficaram presas por mais de 120 dias por causa de uma tentativa de furto de dois quilos de carne de charque e um litro de azeite. Por outro lado, temos conhecimento de inúmeros crimes de corrupção no país. Como estudioso, qual a sua avaliação?
Exemplos como esse são estarrecedores. Há alguns dias, no Rio Grande do Sul, um juiz absolveu um rapaz que havia furtado um rolo de pintura e chamou a atenção para o fato de que os custos para a sociedade do seu processo era alto demais. Temos, nesses casos, pragmaticamente, que nos perguntar: vale a pena? Claro que nenhuma sociedade sanciona o roubo, por menor que ele seja, mas temos que instituir, socialmente, percepções e proposições de punição diferenciadas para os pequenos delitos. Esse é o caso das penas alternativas, por exemplo.
Quanto aos crimes de corrupção, geralmente praticados pelo que eu anteriormente denominei de setores médios e altos, acho que temos avançado bastante. Há maior transparência, hoje. E temos uma imprensa que, pela própria lógica da competição, não pode deixar de abordar os escândalos. Mas aí temos que ter cuidado. Linchamento não é justiça! Os criminosos de colarinho branco utilizam das possibilidades de defesa ofertas pelo sistema jurídico. Podem se valer, por exemplo, de bons advogados. O problema não é impedi-los de mobilizar os instrumentos disponíveis para a sua defesa, mas, sim, o fato de que esses instrumentos não estão à disposição de todos. Somente nos últimos anos, para citar um dado, temos avançado na consolidação de nossas defensorias públicas.
Por que está aumentando a criminalidade no país? O problema é a injustiça social?
Relacionar criminalidade com pobreza é uma outra forma de violência contra os pobres. É uma violência simbólica. Um grande pensador do século XIX dizia que “a realidade é síntese de múltiplas determinações”. O que isso nos ensina em relação à violência e à criminalidade? Que não podemos nos fiar em explicações monocausais. São muitas as variáveis a levar em conta. Pessoalmente, acho desastroso o discurso tradicional, geralmente proferido pelos atores políticos que se dizem de esquerda, que relacionam criminalidade à desigualdade social. O que esse tipo de elaboração tem deixado de fora é a análise das escolhas individuais. Por outro lado, como o atesta uma vasta literatura internacional, quando ficamos nesse discurso simplista à respeito das causas sociais da criminalidade deixamos de analisar, dentre outros aspectos, o peso de fatores como o ambiente (a ecologia do crime) e os custos individuais (maior ou menor possibilidade de ser punido, por exemplo) das práticas delituosas. Um outro ponto importante para destacar é que temos que construir diagnósticos científicos a respeito da violência e da criminalidade. Em lugar nenhum do mundo, políticas de defesa social eficientes baseiam-se, exclusivamente, em estatísticas policiais. Elas não são base para políticas públicas.
A lentidão da Justiça ajuda os criminosos?
A morosidade alimenta, no seio da população, a sensação de que as pessoas que cometem delitos não são punidas. Acho que é preciso ter cuidado nesse quesito. Temos cadeias abarrotadas. O nosso número de detentos só cresce. Existe muita gente que alimenta carreira política açulando a população por uma “justiça rápida”. Temos que ter cuidados, nesse aspecto. Até porque temos organismos policiais com déficits históricos de resolutividade. Então, a identificação rápida dos culpados pode ser o caminho mais curto para práticas meio fascistas.
Qual a sua análise sobre a criminalidade no RN e no país?Aumentou o número de crimes ou cresceu a sensação de insegurança da população?
Afora os dados relativos à mortalidade, fáceis de conseguir devido ao Sistema Único de Saúde do Brasil (Datasus), temos imensas dificuldades em trabalhar com dados relacionados à violência e à criminalidade no país, porque em todo o mundo, aqui mais do que em qualquer outro lugar, uma grande parte das vítimas de delitos não denuncia aos organismos policiais. Por outro lado, ainda não temos uma cultura de accountability (termo da língua inglesa, sem tradução exata para o português, que remete à obrigação de membros de um órgão administrativo ou representativo de prestar contas) por parte de nossas polícias. Isto é, apenas em alguns estados do país existem esforços no sentido de tornar transparentes os resultados alcançados pelo trabalho policial, que são políticas públicas de segurança baseadas no achismo e no atendimento de demandas imediatistas. Isso é desastroso.
E quanto à situação do Rio Grande do Norte?
Temos tido um aumento significativo dos homicídios na Grande Natal. Em parte relacionados ao tráfico de drogas, esses homicídios atingem seletivamente determinados estratos da população. São os jovens negros da periferia, do sexo masculino e com idade entre 15 e 25 anos. Há, portanto, um corte de classe muito claro nessa violência extrema. Por outro lado, temos o crescimento do crime contra o patrimônio (roubos e assaltos). Este tipo de crime é o que mais afeta a classe média. É também o que serve de referência para suas elaborações sobre a insegurança e para a demanda por mais policiamento. Natal está na contramão da tendência nacional de diminuição dos homicídios. Durante anos, as autoridades locais acomodaram-se no fato de que as estatísticas apontavam que a capital do RN tinha as menores taxas de homicídios do país. Mas, aí é que está o problema, estas taxas têm sido sempre crescentes. E esse crescimento, mesmo que relacionado a eventos que ocorrem nas áreas periféricas, contamina a percepção geral da população.
No interior...
O crescimento dos homicídios no interior relacionam-se a dois aspectos principais: em primeiro lugar, ao espraiamento do tráfico de drogas, especialmente o crack, para os pequenos municípios e para as áreas rurais. Em segundo, à precariedade da Segurança Pública no vasto território do interior. A conjugação desses dois fatores, mais elementos estruturais, como uma cultura de violência e carências seculares, que traduzem-se num fechamento de horizontes para jovens e adolescentes, alavancam essa violência por todo o interior.
Como o senhor avalia a justiça no Brasil?
Olha, parece-me um tanto demagógico ficarmos atirando pedras no judiciário, denunciando a sua morosidade ou a sua parcialidade. O problema é mais em baixo: diz respeito à nossa cidadania inconclusa. Temos avançado positivamente nesse terreno, mas a justiça não deixa de espelhar uma sociedade alicerçada historicamente na violência contra as chamadas “classes perigosas” (negros e pobres). O que eu quero dizer? Que temos uma estrutura competente para enquadrar as pessoas que cometeram delitos quando estes pertencem aos estratos inferiores da estrutura social, mas com imensas dificuldades para enfrentar a criminalidade mais organizada ou ligada aos estratos médios e superiores.
Mas, como disse, não se trata de cedermos a um discurso fácil e demagógico e criticarmos de forma irresponsável e simplista o judiciário. Se existem referentes negativos, também podemos apontar inúmeras experiências e práticas positivas e bem sucedidas. Para não falar aqui dessa grande conquista da democracia e da cidadania em nosso país que tem sido a atuação, em geral, do Ministério Público.
Em Natal, duas mulheres ficaram presas por mais de 120 dias por causa de uma tentativa de furto de dois quilos de carne de charque e um litro de azeite. Por outro lado, temos conhecimento de inúmeros crimes de corrupção no país. Como estudioso, qual a sua avaliação?
Exemplos como esse são estarrecedores. Há alguns dias, no Rio Grande do Sul, um juiz absolveu um rapaz que havia furtado um rolo de pintura e chamou a atenção para o fato de que os custos para a sociedade do seu processo era alto demais. Temos, nesses casos, pragmaticamente, que nos perguntar: vale a pena? Claro que nenhuma sociedade sanciona o roubo, por menor que ele seja, mas temos que instituir, socialmente, percepções e proposições de punição diferenciadas para os pequenos delitos. Esse é o caso das penas alternativas, por exemplo.
Quanto aos crimes de corrupção, geralmente praticados pelo que eu anteriormente denominei de setores médios e altos, acho que temos avançado bastante. Há maior transparência, hoje. E temos uma imprensa que, pela própria lógica da competição, não pode deixar de abordar os escândalos. Mas aí temos que ter cuidado. Linchamento não é justiça! Os criminosos de colarinho branco utilizam das possibilidades de defesa ofertas pelo sistema jurídico. Podem se valer, por exemplo, de bons advogados. O problema não é impedi-los de mobilizar os instrumentos disponíveis para a sua defesa, mas, sim, o fato de que esses instrumentos não estão à disposição de todos. Somente nos últimos anos, para citar um dado, temos avançado na consolidação de nossas defensorias públicas.
Por que está aumentando a criminalidade no país? O problema é a injustiça social?
Relacionar criminalidade com pobreza é uma outra forma de violência contra os pobres. É uma violência simbólica. Um grande pensador do século XIX dizia que “a realidade é síntese de múltiplas determinações”. O que isso nos ensina em relação à violência e à criminalidade? Que não podemos nos fiar em explicações monocausais. São muitas as variáveis a levar em conta. Pessoalmente, acho desastroso o discurso tradicional, geralmente proferido pelos atores políticos que se dizem de esquerda, que relacionam criminalidade à desigualdade social. O que esse tipo de elaboração tem deixado de fora é a análise das escolhas individuais. Por outro lado, como o atesta uma vasta literatura internacional, quando ficamos nesse discurso simplista à respeito das causas sociais da criminalidade deixamos de analisar, dentre outros aspectos, o peso de fatores como o ambiente (a ecologia do crime) e os custos individuais (maior ou menor possibilidade de ser punido, por exemplo) das práticas delituosas. Um outro ponto importante para destacar é que temos que construir diagnósticos científicos a respeito da violência e da criminalidade. Em lugar nenhum do mundo, políticas de defesa social eficientes baseiam-se, exclusivamente, em estatísticas policiais. Elas não são base para políticas públicas.
A lentidão da Justiça ajuda os criminosos?
A morosidade alimenta, no seio da população, a sensação de que as pessoas que cometem delitos não são punidas. Acho que é preciso ter cuidado nesse quesito. Temos cadeias abarrotadas. O nosso número de detentos só cresce. Existe muita gente que alimenta carreira política açulando a população por uma “justiça rápida”. Temos que ter cuidados, nesse aspecto. Até porque temos organismos policiais com déficits históricos de resolutividade. Então, a identificação rápida dos culpados pode ser o caminho mais curto para práticas meio fascistas.
http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/entrevista-edmilson-lopes-natal-esta-na-contramao-da-politica-de-seguranca/144756
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