quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Princípios básicos de utilização da força e de armas de fogo

Disposições Gerais
1. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem adotar e aplicar regras sobre a utilização da força e de armas de fogo contra as pessoas, por parte dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei;
2. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem desenvolver um leque de meios tão amplo quanto possível e habilitar os funcionários responsáveis pela aplicação da lei com diversos tipos de armas e de munições, que permitam uma utilização diferenciada da força e das armas de fogo;
3. O desenvolvimento e utilização de armas neutralizadoras não letais deve ser objeto de uma avaliação cuidadosa, a fim de reduzir ao mínimo os riscos com relação a terceiros, e a utilização dessas armas deverá ser submetida a um controlo estrito;
4. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei, no exercício das suas funções, devem, na medida do possível, recorrer a meios não violentos antes de utilizarem a força ou armas de fogo. Só poderão recorrer à força ou a armas de fogo se outros meios se mostrarem ineficazes ou não permitirem alcançar o resultado desejado;
5. Sempre que o uso legítimo da força ou de armas de fogo seja indispensável, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem:
a) Utilizá-las com moderação e a sua ação deve ser proporcional à gravidade da infração e ao objetivo legítimo a alcançar;
b) Esforçar-se por reduzirem ao mínimo os danos e lesões e respeitarem e preservarem a vida humana;
c) Assegurar a prestação de assistência e socorro médicos às pessoas feridas ou afetadas, tão rapidamente quanto possível;
d) Assegurar a comunicação da ocorrência à família ou pessoas próximas da pessoa ferida ou afetada, tão rapidamente quanto possível.
6. Sempre que da utilização da força ou de armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei resultem lesões ou a morte, os responsáveis farão um relatório da ocorrência aos seus superiores, de acordo com o princípio 22;
7. Os Governos devem garantir que a utilização arbitrária ou abusiva da força ou de armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei seja punida como infração penal, nos termos da legislação nacional;
8. Nenhuma circunstância excepcional, tal como a instabilidade política interna ou o estado de emergência, pode ser invocada para justificar uma derrogação dos presentes Princípios Básicos;
Disposições Especiais
9. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não devem fazer uso de armas de fogo contra pessoas, salvo em caso de legítima defesa, defesa de terceiros contra perigo iminente de morte ou lesão grave, para prevenir um crime particularmente grave que ameace vidas humanas, para proceder à detenção de pessoa que represente essa ameaça e que resista à autoridade, ou impedir a sua fuga, e somente quando medidas menos extremas se mostrem insuficientes para alcançarem aqueles objetivos. Em qualquer caso, só devem recorrer intencionalmente à utilização letal de armas de fogo quando isso seja estritamente indispensável para proteger vidas humanas;
10. Nas circunstâncias referidas no princípio 9, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem identificar- se como tal e fazer uma advertência clara da sua intenção de utilizarem armas de fogo, deixando um prazo suficiente para que o aviso possa ser respeitado, exceto se esse modo de proceder colocar indevidamente em risco a segurança daqueles responsáveis, implicar um perigo de morte ou lesão grave para outras pessoas ou se se mostrar manifestamente inadequado ou inútil, tendo
em conta as circunstâncias do caso;
11. As normas e regulamentações relativas à utilização de armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem incluir diretrizes que:
a) Especifiquem as circunstâncias nas quais os funcionários responsáveis pela aplicação da lei sejam autorizados a transportar armas de fogo e prescrevam os tipos de armas de fogo e munições autorizados;
b) Garantam que as armas de fogo sejam utilizadas apenas nas circunstâncias adequadas e de modo a reduzir ao mínimo o risco de danos inúteis;
c) Proíbam a utilização de armas de fogo e de munições que provoquem lesões desnecessárias ou representem um risco injustificado;
d) Regulamentem o controle, armazenamento e distribuição de armas de fogo e prevejam nomeadamente procedimentos de acordo com os quais os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devam prestar contas de todas as armas e munições que lhes sejam distribuídas;
e) Prevejam as advertências a efetuar, sendo caso disso, se houver utilização de armas de fogo;
f) Prevejam um sistema de relatórios de ocorrência, sempre que os funcionários responsáveis pela aplicação da lei utilizem armas de fogo no exercício das suas funções.
Manutenção da ordem em caso de reuniões ilegais ( controle de distúrbios civis)
12. Dado que a todos é garantido o direito de participação em reuniões lícitas e pacíficas, de acordo com os princípios enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, os Governos e os serviços e funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem reconhecer que a força e as armas de fogo só podem ser utilizadas de acordo com os princípios 13 e 14;
13. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem esforçar-se por dispersar as reuniões ilegais mas não violentas sem recurso à força e, quando isso não for possível, limitar a utilização da força ao estritamente necessária;
14. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei só podem utilizar armas de fogo para dispersarem reuniões violentas se não for possível recorrer a meios menos perigosos, e somente nos limites do estritamente necessário. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não devem utilizar armas de fogo nesses casos, salvo nas condições estipuladas no princípio 9.
Manutenção da ordem entre pessoas detidas ou presas
15. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não devem utilizar a força na relação com pessoas detidas ou presas, exceto se isso for indispensável para a manutenção da segurança e da ordem nos estabelecimentos penitenciários, ou quando a segurança das pessoas esteja ameaçada;
16. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não devem utilizar armas de fogo na relação com pessoas detidas ou presas, exceto em caso de legítima defesa ou para defesa de terceiros contra perigo iminente de morte ou lesão grave, ou quando essa utilização for indispensável para impedir a evasão de pessoa detida ou presa representando o risco referido no princípio 9;
17. Os princípios precedentes entendem-se sem prejuízo dos direitos, deveres e responsabilidades dos funcionários dos estabelecimentos penitenciários, tal como são enunciados nas Regras Mínimas para o Tratamento de Presos, em particular as regras 33, 34 e 54;
Habilitações, formação e aconselhamento
18. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem garantir que todos os funcionários responsáveis pela aplicação da lei sejam selecionados de acordo com procedimentos adequados, possuam as qualidades morais e aptidões psicológicas e físicas exigidas para o bom desempenho das suas funções e recebam uma formação profissional contínua e completa. Deve ser submetida a reapreciação periódica a sua capacidade para continuarem a desempenhar essas funções;
19. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem garantir que todos os funcionários responsáveis pela aplicação da lei recebam formação e sejam submetidos a testes de acordo com normas de avaliação adequadas sobre a utilização da força. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei que devam transportar armas de fogo devem ser apenas autorizados a fazê-lo após recebimento de formação especial para a sua utilização;
20. Na formação dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei, os Governos e os organismos de aplicação da lei devem conceder uma atenção particular às questões de ética policial e de direitos do homem, em particular no âmbito da investigação, aos meios de evitar a utilização da força ou de armas de fogo, incluindo a resolução pacífica de conflitos, ao conhecimento do comportamento de multidões e aos métodos de persuasão, de negociação e mediação, bem como aos meios técnicos, tendo em vista limitar a utilização da força ou de armas de fogo. Os organismos de aplicação da lei deveriam rever o seu programa de formação e procedimentos operacionais, em função de incidentes concretos;
21. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem garantir aconselhamento psicológico aos funcionários responsáveis pela aplicação da lei envolvidos em situações em que sejam utilizadas a força e armas de fogo.
Procedimentos de comunicação hierárquica e de inquérito
22. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem estabelecer procedimentos adequados de comunicação hierárquica e de inquérito para os incidentes referidos nos princípios 6 e 11. Para os incidentes que sejam objeto de relatório por força dos presentes Princípios, os Governos e os organismos de aplicação da lei devem garantir a possibilidade de um efetivo procedimento de controle e que autoridades independentes (administrativas ou do Ministério Público), possam exercer a sua jurisdição nas condições adequadas. Em caso de morte, lesão grave, ou outra consequência grave, deve ser enviado de imediato um relatório detalhado às autoridades competentes encarregadas do inquérito administrativo ou do controle judiciário;
23. As pessoas contra as quais sejam utilizadas a força ou armas de fogo ou os seus representantes autorizados devem ter acesso a um processo independente, em particular um processo judicial. Em caso de morte dessas pessoas, a presente disposição aplica-se às pessoas a seu cargo;
24. Os Governos e organismos de aplicação da lei devem garantir que os funcionários superiores sejam responsabilizados se, sabendo ou devendo saber que os funcionários sob as suas ordens utilizam ou utilizaram ilicitamente a força ou armas de fogo, não tomaram as medidas ao seu alcance para impedirem, fazerem cessar ou comunicarem este abuso;
25. Os Governos e organismos responsáveis pela aplicação da lei devem garantir que nenhuma sanção penal ou disciplinar seja tomada contra funcionários responsáveis pela aplicação da lei que, de acordo como o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei e com os presentes Princípios Básicos, recusem cumprir uma ordem de utilização da força ou armas de fogo ou denunciem essa utilização por outros funcionários;
26. A obediência a ordens superiores não pode ser invocada como meio de defesa se os responsáveis pela aplicação da lei sabiam que a ordem de utilização da força ou de armas de fogo de que resultaram a morte ou lesões graves era manifestamente ilegal e se tinham uma possibilidade razoável de recusar cumpri-la. Em qualquer caso, também existe responsabilidade da parte do superior que proferiu a ordem ilegal.
PS: Adotado no Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes realizado em Havana, Cuba, de 27 de Agosto a 7 de Setembro de 1990.

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