quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Sorte, Arbitrariedade e Inteligência



O Sargento Carvalho me falou, há algumas semanas, que existem três formas de combater o crime: sorte, arbitrariedade e inteligência. Poucos dias depois, o blog Abordagem Policial publicou um artigo sobre o mesmo assunto, com o título "Eficácia Policial - informação, sorte ou tortura".


Creio que não se trata de coincidência, muito menos de telepatia. Qualquer um que vive segurança pública e medita sobre ela durante algum tempo chega à mesma conclusão.

Concordando, então, que essa é a triologia do trabalho policial no combate ao crime, vamos falar, primeiramente, sobre a forma mais utilizada, a sorte.


Infelizmente, a despeito do que se apregoa, o patrulhamento ostensivo, as operações e as ativadades operacionais de maneira geral são uma verdadeira loteria. É raro existir um trabalho de inteligência, de estudo, antes do lançamento de viaturas no turno ou de se deflagrar uma operação. O que ocorre, na maioria das vezes, é aquilo que o Sr. Cel Emir Larangeira denomina de "teoria do relógio de parede" e que eu chamo carinhosamente de "policiamento reloginho". O termo correto é "cartão programa". Não importa a denominação; no final, é tudo a mesma coisa, ou seja, o que relata o citado oficial no livro Cavalos Corredores (página 21):


O terreno (área destinada ao policiamento) seria o mostrador, e as diversas modalidades de policiamento (radiopatrulha, PATAMO, policiamento a pé etc.), espalhadas no mostrador, seriam os ponteiros (não se esqueçam de que os ponteiros rodam, mas são fixos no eixo). Rodam, entretanto, se lhe derem corda ou pilhas novas; se não, o resultado é a apavorante inércia hoje denominada "visibilidade", ou, em linguagem popular interna, "caça aos patos"...

É assim para facilitar a fiscalização, ou seja, para garantir a eficiência (relação com meios) e não a eficácia (relação com resultados). É, com efeito, um modelo estrutural de fácil distribuição dos recursos materiais e humanos no terreno, em escala e em setores, subsetores e roteiros igualmente predeterminados, de modo que o batalhão sempre saiba onde estão os milicianos para fiscalizá-los como objetivo precípuo de comando. De resto, é só esperar algum deles falhar para puni-lo (aplicação sistemática dos regulamentos disciplinares) ou acertar para elogiá-lo (também pela aplicação sistemática dos regulamentos disciplinares).

Como se vê, é fácil comandar um batalhão. É só primar pelo fiel cumprimento das normas administrativas e operacionais vigentes. Contudo, deixo aqui a indagação: "seriam boas?" Para o bandido, sim, com certeza. Ele pode assaltar com 100% de chance de não aparecer radiopatrulha nenhuma, sempre sabe onde ela está; ou então lhe é suficiente torcer para que o assaltado demore a ligar para o 190..."


O policiamento reloginho é um tipo arcaico de patrulhamento, em que que se engessa a guarnição policial. É um tipo de policiamento que ignora quem verdadeiramente detém o conhecimento sobre os criminosos e a criminalidade de um determinado espaço geográfico. Quem detém o conhecimento? Ora, quem está diariamente enfrentando o crime, in loco, isto é, o policial de rua.


Este tipo de policiamento, ainda muitíssimo comum, exige poucas ideias, pouca inteligência. É só cumprir o cartão programa e pronto. Policiamento robótico. Pura loteria. Às vezes, a sorte é favorável e, co.in.ci.den.te.men.te, acontece da guarnição "trombar" com um assalto em andamento e prender os criminosos, ou, numa blitz de trânsito, encontrar quantidade significativa de drogas no veículo abordado. Mérito? Nenhum, exceto pelo risco a vida. E pensar que tais ocorrências são divulgadas para a mídia com estardalhaço, numa tentativa de demonstrar a eficácia do serviço policial...



Outra forma, digamos oblíqua, de combater o crime é através da arbitrariedade, da qual não gosto de falar, pois meu telhado também não é de vidro. Essa é uma forma até eficaz. Funciona, é barata e os resultados são rápidos. Tem hora que eu fico até querendo pedir a uns companheiros para praticarem umas arbitrariedadezinhas contra um pessoal de uma boca-de-fumo aqui perto de casa. Só não peço porque sei que pode dá merda. E o problema é justamente quando dá merda. Sim, às vezes a coisa fede e acaba sobrando para o policial, coitado. Este, cheio de boa vontade, cheio de boas intenções, acaba incorrendo em certos ilícitos (invasão de domicílio, tortura, abuso de autoridade, etc) no afã retirar da sociedade cidadãos infratores. No fim, quem se ferra é ele. Perde a promoção, gasta dinheiro com advogado, isso quando não é excluído.


E vocês acham que a instituição apoia esse policial? Quando está dando certo, sim. Parabéns, elogios, notas meritórios, destaques... E quando dá merda? Bom, não posso falar, mas quem é da casa sabe, e alguns inclusive já sentiram na pele.



A outra forma de combater o crime é através da inteligência, forma esta que os "ólogos" de plantão sempre repetem. Felizmente, ou infelizmente, tenho que concordar que, nesse ponto, eles têm razão.


Mas o que seria trabalhar com inteligência? Quando se usa o termo "inteligência" vem à mente de alguns algo como James Bond, uma atividade de espionagem; para outros, vem a mente trabalhar com informação. No meu ponto de vista, é isso e mais algumas coisas.


"Espiões" são importantes? Sem dúvida. Como disse Sun Tzu no livro A Arte da Gerra, um estado sem agentes secretos é um estado cego e surdo. E é triste constatar que, em muitos lugares, a polícia é cega e surda, quase sem "agentes secretos". Quase sempre, quem é surdo também é mudo, ou seja, onde não há inteligência não há ação, não há resultados satisfatórios.


Informação é outro ponto crucial da inteligência. Como conhecer o inimigo (no caso da polícia, os marginais), o terreno, o ambiente, etc., sem informações? Impossível!


A informação pode vir da comunidade, por denúncias anônimas ou pelo relacionamento de confiança entre policial e cidadão, ou pelas observações do própio agente de segurança.


O policial, no seu turno de serviço, deve procurar conhecer os marginais que atuam no local. Como disse na postagem sobre o Aplicativo de Cadastro de Infratores, não existe crime sem autoria. O criminoso é o principal elemento da criminalidade. Não é a hora que pratica o crime, não é o dia da semana, não é a cidade, o bairro, muito menos a vítima. Quem pratica o crime é o cidadão infrator. Não é possível, para nós humanos, retirar uma cidade do lugar ou acabar com determinado horário. Então, resta-nos retirar de circulação essa peça principal do crime, o delinquente, com foco especial naqueles infratores contumazes.


Se conhecermos o criminoso, se conhecermos onde ele atua, qual seu modus operandi, etc., o próximo passo é difundir essa informação. As frações, no meu ponto de vista, devem a cada instrução reunir com o efetivo presente e debater sobre os criminosos e sobre a criminalidade no setor. É preciso analisar as informações que o comando e que cada policial detém ou as que vieram de origem externa, cruzar os dados e, principalmente, elaborar estratégias de combate ao crime. Mas tais estratégias devem ter a participação de quem trabalha na rua, porque é esse policial que conhece o dia-a-dia, a rotina, como as coisas acontecem. Certos detalhes são cruciais. Certos detalhes podem significar o sucesso ou o fracasso de uma operação, por exemplo.


Por falar em operações, não sou fã daquelas pirotécnicas. O negócio é você se unir e dividir o inimigo. Existe a famosa frase "dividir para conquistar". Mas, como se depreende do livro A Arte da Guerra, quem deve ser dividido é o inimigo, para que você sempre tenha um efetivo maior do que o dele. Questão de matemática. O que eu quero dizer é que é melhor pegar marginal por marginal, um por um, do que deflagrar operações pirotécnicas para prender uma dezena deles. Prendendo um por um, você sempre estará em supremacia de força. Dividir para conquistar. Serviço policial de verdade é feito na furtividade. Com diz meu amigo Sargento Moisés, a gente deve trabalhar é para Deus, e não para ser visto, para aparecer na televisão.


Existem outras formas de trabalhar com inteligência. Por exemplo, um relatório pormenorizado, bem elaborado, para um promotor de justiça solicitando um mandado de busca e apreensão é uma forma de trabalhar com inteligência. Mas para você persudir o promotor você precisa de informações. E somente informações externas não são suficientes, porque normalmente elas vem desprovidas de elementos de convicção, de forma que é necessário investir na inteligência interna e aumentar o efetivo dos "agentes secretos".


O Proerd, na minha forma de ver, também é um trabalho de inteligência. É um incutir na mente da criança e do adolescente o pensamento da não violência, de que a droga não leva a lugar a nenhum. É um trabalho preventivo. Como dizem os antigos, é melhor prevenir do que remediar.


Enfim, trabalhar com inteligência é a busca de informações, por diversos meios (externos e internos), a disseminação dessas informações, a busca de soluções, em conjunto, e a inteligência, literalmente falando. Sim, inteligência, a capacidade mental de raciocinar, planejar, resolver problemas, abstrair ideias, compreender ideias e linguagens e aprender.



É preciso pensar mais, criar novas formas de combater o crime. Certa vez ouvi um certo senhor tenente-coronel falando que a PM só tinha um método de combater o crime, um método único para solucionar todos os problemas: batida policial. De acordo com ele, qualquer problema de segurança pública que era apresentado para debate tinha sempre como solução a famigerada batida policial. Dias atrás, foi um sargento que falou uma coisa interessante. Disse que certa instituição só queria uniformizar os agentes de seguraça ostensiva e tacá-los na rua; que a instituição estava cagando e andando para a atividade de inteligência; que, no fim, não adiantava nada; muito gasto, poucos resultados, o inverso do princípio da eficiência.


Temos que pensar em outros métodos. Raciocinar, planejar e resolver. Segurança pública não se faz somente com o binômio Efetivo / Força.

É um assunto muito complexo. Gastei horas escrevendo esta postagem e poderia ficar por mais algumas horas ou dias discorrendo sobre o tema. Acho que até daria para escrever um livro. Mas finalizo hoje por aqui, com uma frase: Inteligência e ação. 
 
Retirado de ==> http://www.universopolicial.com/2010/08/sorte-arbitrariedade-e-inteligencia.html?utm_source=feedbuner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+universopolicial+%28UNIVERSO+POLICIAL%29

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