domingo, 26 de setembro de 2010

Começa processo de limpeza na PM




Grupos de extermínio, tráfico de drogas,  de armas, homicídio, extorsão, ameaça, baderna, assalto a mão armada e até estupro. Este ano, muitos  policiais militares estiveram envolvidos em praticamente todo tipo de crime previsto no Código Penal Brasileiro. Contudo, nem sempre esse envolvimento foi para combater a violência e garantir a segurança pública. Casos de PMs suspeitos, acusados e presos, algumas vezes em flagrante, foram registrados em quase todos os meses do ano.
Rodrigo SenaAraújo: a PM estimula o bom policial com promoções e cursos
Araújo: a PM estimula o bom policial com promoções e cursos

E foi devido a esse problema que o comando da Polícia Militar do Rio Grande do Norte decidiu mudar de atitude e está causando uma verdadeira “revolução” dentro da coreporação. São várias as medidas para aumentar a disciplina e punir o policial transgressor efetivamente. Tudo isso, pensando não só na segurança pública, mas também no enaltecimento da imagem da PM diante da sociedade.

Essa “revolução”, inclusive, pode ser percebida em números. Desde a posse do coronel Francisco Araújo Silva no  comando-geral da Polícia Militar,  no dia 1º de  abril deste ano, 26 policiais militares já foram obrigados a deixar a farda. Um claro sinal de que a intolerância com os transgressores da lei não será mais perdoada. Para se ter uma ideia do que representa esse número, é como se um PM fosse desligado por semana. Claro que nem todos os processos que levaram à exclusão ou o licenciamento dos policiais que foram analisados pelo coronel Araújo Silva, começaram depois que ele assumiu o comando. Alguns são desde a gestão passada, do coronel Marcondes Rodrigues.

Nem todos, também, estão totalmente fora da Polícia. Fora da PM mesmo, inclusive, só 17 dos 26. Sete foram licenciados e  dez foram excluídos – o policial é excluído se tiver mais de 10 anos de trabalho e licenciado se tem menos, mas o efeito é o mesmo: ele está definitivamente fora da corporação. Os outros nove casos dizem respeito a PMs que recorreram da decisão inicial do coronel Araújo e ainda aguardam um ponto final no caso. A questão é que quem vai analisar o recurso é, justamente, o mesmo comandante. “Isso existe para que seja dada ao PM ampla liberdade de defesa, mas é raro a mudança de decisão”, afirmou o coronel Araújo.

A “ampla liberdade de defesa” é, justamente, um dos pontos que contribuem para que o processo de exclusão do “PM criminoso” não seja tão rápido quantos muitos achavam que deveria ser. “É como se fosse um processo criminal mesmo. Há uma denúncia, ela é investigada, provas são anexadas, ela é encaminhada para a comissão, é dado o tempo para a defesa se manifestar e, se passar tudo, chega até o comandante. Não é rápida assim como nenhum processo desse tipo pode ser”, explicou o major Franco, da assessoria jurídica da PM.

O major Franco explica, também, que são cinco os processos contra o PM, além, claro, do Código Penal, em caso dele ter cometido algum crime. “O PM pode ser alvo de uma sindicância, de um inquérito policial militar (IPM), de um processo administrativo disciplinar (PAD), de um conselho de disciplina e de um conselho de justificativa”, explica. O coronel Araújo ainda lembra que isso não é só. “O PM aqui no Estado é regido pelo Regulamento Militar, pelo Código Penal Brasileiro, pelo Código Penal Militar e pelo Estatuto Militar. Ou seja, ele precisa de muita disciplina e estamos justamente cobrando muito isso para evitar desvios”, garante.

Além das exclusões “sem pena”, conforme diz o coronel, outra forma encontrada pelo Comando para cobrar mais disciplina é a ameaça de estagnação na carreira militar. Um PM que comete um crime disciplinar grave e é preso por 30 dias, tem seu conceito considerado “ruim” e não terá direito a promoções e cursos por um longo período. “Ele ficará nove anos sem ter direito a isso, porque é exigido um conceito no mínimo ‘bom’ para ter promoções ou participar de cursos de capacitação”, afirma o major Franco.

Já  o “bom policial” tem sido, pelo menos nesse início, procurado, incentivado e bem remunerado. “Neste ano, já realizamos a promoção de mais de dois mil militares, que estavam, alguns, há 10 anos sem progressão na carreira. Com isso, os demais policiais podem ver que as promoções estão ocorrendo e os benefícios estão sendo dados, basta serem bons no trabalho”, disse o coronel Araújo.

Chineses foram  mortos por policiais

Na noite da última segunda-feira, Josemar Gomes, 43 anos, e Charles Paiva da Silva, 29, foram mortos a tiros em uma estrada carroçável no distrito de Mangabeira, em Macaíba, Grande Natal. Além deles, o policial militar Marcelo Miguel da Silva, 36, foi atingido por dois disparos no mesmo local, mas conseguiu escapar com vida. No hospital,   segundo o comandante do 11º Batalhão da PM, Fábio Araújo,  teria identificado os possíveis autores do duplo assassinato e da tentativa de homicídio.

Os casais Zhon Maozhen, 36 anos, e Jin Wanguai, 39 anos, donos da loja Gold Sol; e  Lixiong Lin, 36 anos, e Zhang Haiyan, 38 anos, donos da loja JMF Variedades, foram executados com tiros nas cabeças e os corpos abandonados em uma área rural de Macaíba.

Não é só o local onde os corpos dos chineses foram encontrados que  “coincide” com a emboscada do início da semana passada. “Quem matou os chineses entendia de investigação policial. O local foi completamento limpo. Até as cápsulas das balas levaram”, lembra uma fonte policial ouvida pela TN. Essa mesma fonte é taxativa: “Marcelo Miguel fez revelações sobre o crime dos chineses. Já temos como ligar Ronaldo e Beneto a mais um crime”. A morte dos chineses, segundo comentários na polícia, foi por latrocínio (matar para roubar).

“Ronaldo Bomba” e “Bebeto” foram expulsos da PM em 2008, três anos depois de serem presos (em 2005), a Operação Fronteiras, que desarticulou um dos grupos de extermínio que atuavam no Estado. Na casa deles, foram encontradas munições e armas exclusivas das Forças Armadas.

Envolvidos em crimes, ex-PMs não estão presos

Se já foram expulsos da Polícia Militar, suspeitos de homicídio neste ano e agora, apontados como possíveis autores de mais mortes, porque os ex-policiais Ronaldo Erasmo Galdino de Lima, também conhecido como “Ronaldo Bomba” e Roberto Moura do Nascimento, o “Bebeto”, ainda se encontram em liberdade? Porque as investigações ainda não foram concluídas, afirmam as fontes policiais ouvidas pela TRIBUNA DO NORTE. 

Além disso, “é algo difícil prender ou investigar militares. Não só policiais militares, mas civis e agentes penitenciários também”, admite o delegado-geral da PC, Elias Nobre. Segundo ele, são dois os grandes problemas envolvendo esse tipo de criminosos e isso nada tem a ver com o fato de, em alguns casos, eles serem “colegas de profissão”.

“O problema é porque militares conhecem bem o trabalho da investigação e sabem como dificultá-la. Modificam, por exemplo, a cena do crime, limpam o local, cometem os crimes em lugares de pouco policiamento ou de difícil acesso. Isso reduz a possibilidade de provas técnicas”, afirma o delegado-geral. 

Restando somente a prova testemunhal em vários casos, entra a segunda dificuldade nas investigações a militares: “muitos deles, também ameaçam e intimidam testemunhas, fazendo-as perderem o interesse de prestar depoimento”.

Para evitar intimidações desse tipo, por sinal, o coronel Araújo, comandante-geral da Polícia Militar, também está exigindo que policiais que são suspeitos ou acusados de crimes percam o porte de arma e fiquem fora do serviço fora nas ruas. “Dessa forma, pretendemos impedir que eles ameacem ou façam algum tipo de amedrontamento às testemunhas. Imagine só, você sendo testemunha de um crime e, um dia, encontra o homem que está apontado como responsável na rua, armado e com a farda da PM”, afirma o coronel.

Regulamento disciplinar da PM é arcaico, diz coronel

Enquanto a disciplina pode estar faltando aos PMs, a Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar do RN (ACS) realizou na semana passada uma assembleia geral e aprovou mudanças no Estatuto dos Militares Estaduais e enviou um novo Código de Ética da PM para a Assembleia Legislativa do Estado.

O Código de Ética tem como principais pontos: criação de Conselhos de Disciplina por batalhão formado não só por oficiais; o fim da prisão administrativa, substituída pela disponibilidade cautelar por 72h em casos em que o policial coloque a própria vida em risco ou a de outro; e a definição do que é transgressão grave, média e leve. “Vamos lutar pela aprovação desse Código de Ética e buscar apoio dos deputados estaduais, dos sindicatos e conselhos comunitários com o objetivo de mostrar que este é um anseio não só dos policiais militares, mas também um benefício para toda a sociedade”, afirma o presidente da Associação, o cabo Jeoás Nascimento.

Se é de apoio que a Associação precisa, pelo menos a do comandante-geral da PM, coronel Araújo Silva, ela já tem. “O regulamento disciplinar da Polícia Militar é arcaico, foi feito na década de 70. Então, essa comissão está trabalhando em conjunto com o comando, reunindo-se todas as sextas-feiras no Quartel para discutir e reformar no regulamento disciplinar e ser adaptado a nossa realidade. Para isso estamos fazendo um ordenamento junto com as associações”, comenta o comandante.

Apesar do fim da prisão administrativa, as mudanças no código não representam, necessariamente, uma diminuição na disciplina militar. “O que estamos fazendo é uma atualização, deixando o código mais moderno e de acordo com a situação atual. Estamos buscando tratar de questões que a época da criação dele, não existiam, como a mulher na Polícia, a questão da licença maternidade e paternidade, também”, garante o coronel.

Entre as mudanças que já foram aprovadas pela comissão, estão: o limite da idade de ingresso na Polícia Militar de no mínimo 18 anos e no máximo 30 anos; supressão do cargo de capelão; jornada de trabalho máxima do militar do estado será de 160 horas mensais e compreende serviços de polícia ostensiva e preservação da ordem pública ou de defesa civil, a carreira do militar estadual se iniciará com o ingresso nas corporações militares como Praça ou de Oficial PM/BM, promoção do soldado a cabo com seis anos de serviço e do cabo a sargento com quatro anos de serviço, entre outras.

Araújo: número de policiais criminosos é pouco

Além da “expulsão” de 26 policiais militares, de abril até o início desta semana, o comando da Polícia Militar afirma que já realizou outras quatro repreensões a policiais militares. Mais 23 foram detidos por atos não muito graves de indisciplina ou maus serviços, e outros 15 ficaram presos administrativamente, por desrespeitos mais “pesados” ao Estatuto da Polícia Militar.

Essas prisões administrativas, inclusive, são aquelas determinadas pela Corregedoria Geral de Polícia e são consequências de desrespeitos ao Código Militar. “Não são resultado de crimes graves previstos no Código Penal Brasileiro, mas sim  no Código  Militar. O período dessa prisão não pode ser superior a 30 dias”, esclarece o corregedor-geral da PM, Alexandre Henrique. A corregedoria e o Comando, até o início deste mês, já haviam instaurado 62 inquéritos, 103 sindicâncias, 27 processos administrativos e 42 conselhos disciplinares, totalizando 234 procedimentos investigatórios contra PMs.

No que diz respeito às prisões, geralmente, elas são cumpridas no batalhão em que o infrator está lotado. E, vale lembrar, são elas que, como afirmou o major Franco, podem deixar o policial até nove anos com a carreira estagnada. “Esse é outro ponto que queremos mudar com a alteração do Estatuto da Polícia Militar. A prisão administrativa é o policial ficar o dia todo no batalhão, muitas vezes sem fazer nada. O que queremos é que ele fique de serviço, nem que seja em um trabalho interno”, afirmou o coronel Araújo Silva.  

Além das administrativas, existem, claro, aquelas prisões que são também por desrespeito ao Código Penal Brasileiro. E atualmente, segundo o Comando, estão presos 27 policiais militares por decisões judiciais devido a diferentes casos e variados crimes. Esses ficam presos no Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), onde está instalada a carceragem da PM. Esse número, por sinal, poderia ser maior, mas alguns militares, favorecidos também por uma decisão judicial, já ganharam a liberdade.

“Vejo isso pelo seguinte lado: em um universo de quase 11 mil homens (também existem mulheres também na PM), esse número de criminosos e suspeitos ainda é pouco. Porém, isso ainda chama a atenção da sociedade pelo fato do que deve ser um policial militar e, por isso, ainda estamos trabalhando firme para diminuir cada vez mais”, garantiu o coronel Araújo. Para isso, além do aumento no rigor das punições, o Comando da PM   está aumentando o rigor e a exigência nos cursos de formação dos policiais, além de investir em aulas teóricas sobre legislação e direitos humanos. “Estamos preparando melhor os policiais e levando os policiais para cursos técnicos e seminários, constantemente”.

O delegado-geral da Polícia Civil, Elias Nobre, concorda com a opinião do coronel Araújo, de que em um contingente tão grande quanto é o de policiais militares no Estado, o número de PMs infratores não chega a surpreender. No entanto, ele  diz que não é somente investindo em aulas que vai haver diminuição. “Em alguns casos, o problema está na índole da pessoa, e isso não se aprende no curso de formação. É preciso um acompanhamento psicológico firme para evitar desvios”, afirmou. 

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