sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Segurana Pública versus Liberdade Individual


Autor: Antonio Jorge Ferreira Melo
A sociedade ocidental moderna imagina ter ultrapassado a fase do uso da violência na solução de conflitos, visto que estes devem ser solucionados por meios pacíficos, civis. (OLIVEIRA, 2005) Concebe a si mesma como pacificada (ELIAS, 1993), aspira a um mundo sem violência, mas é obrigada a reconhecer que ela pode eclodir a qualquer momento e terá que ser contida pela força. Com o objetivo de eliminar a utilização da violência privada como meio de resolução de conflitos, o corpo social criou uma corporação destinada a gerir a força coercitiva na intermediação de atritos. (OLIVEIRA, 2005)
Abordagem Policial
Nesse sentido, desde a sua gênese, na Europa do século XVII, os Estados modernos têm como um de seus pilares o princípio de que a autoridade central deve ter o monopólio legítimo do uso da força e da violência, tornando-se responsável pela segurança de todos. O fato de a segurança coletiva ser atribuída ao Estado, no entanto, nunca eliminou o direito de autodefesa do cidadão para preservar a própria vida.
Na interação entre a sociedade e o seu instrumento de coerção física, a polícia, este é apresentado de uma forma assimilável pelo ideal de pacificação, isto é: o seu papel é proteger o cidadão. O corpo social parece olvidar que a proteção de uma pessoa implica, não raro, na necessidade do uso da força, até mesmo da força letal.
A polícia, como principal instrumento do Estado, como empresa de dominação de uns sobre outros, por meio do recurso à violência ou à ameaça de seu emprego, materializa a violência legítima, porque autorizada pelo Direito. É isto que faz com que seja possível diferenciar a ação da polícia como força coatora do Estado do puro e simples recurso à violência para impor a vontade de uns sobre outros. (ADORNO, 2002)
Nesse sentido, a polícia, e apenas a polícia, está equipada, autorizada e é necessária para lidar com toda exigência em que possa ter que ser usada a força para enfrentá-la, sempre que algo que está acontecendo, que não devia estar acontecendo, e sobre o que alguém deve fazer alguma coisa imediatamente. (BITTNER, 2003)
É evidente que a legalidade tem um papel capital na condição de possibilidade do trabalho policial, todavia, sendo a tempestividade a sua principal razão de ser é vital que o meio de força tempestivo seja pautado na legalidade, mas, acima de tudo, na premência que não se adia, que não admite retardo, emenda ou recurso.
Abordagem Policial
No cotidiano do labor policial, os profissionais de segurança pública, num cenário complexo e extremamente variável de interações sociais, realizam várias atividades como: abordagens e buscas pessoais, dentre outras, com o intuito de evitar a prática de delitos e garantir a ordem pública.
Nesse sentido, apenas quem já foi abordado por um policial pode descrever o que é ter a sua intimidade e privacidade violadas, tornando-se “suspeito” da prática de ato infracional ou criminoso. Por outro lado, apenas o policial sabe o que é vivenciar essas experiências que, envolvendo situações de tensão pessoal e social, não raro, podem gerar reações emocionais e agressivas. Não é sem sentido que a abordagem policial é fator primordial no desenvolvimento da atividade das instituições policiais.
Em que pese o avançado estágio de desenvolvimento tecnológico alcançado pela sociedade pós-moderna, ainda não se desenvolveu um detector capaz de dar validação cientifica à discricionariedade que envolve o considerar uma pessoa suspeita. Seria muito bom. O policial entraria num ônibus ou pararia um veículo e o instrumento analisaria os abordados e detectaria até as mais secretas intenções malévolas por detrás de rostos inocentes.
Nessa ótica, do ponto de vista pragmático, “suspeitar” consiste em uma atitude saudável de todo policial, na ponta da linha, posto que autorizados a abordar pessoas que estejam se comportando de forma a despertar suspeita de que possam vir a agredir ou já ter transgredido alguma norma legal. (PINC, 2006), pois a utilização de técnicas de abordagens ou até mesmo critérios para selecionar locais e pessoas que serão alvos de revistas policiais estão resguardados no poder discricionário.
Na hora da verdade, nesse tenso momento de interação social, polícia e cidadania têm que entender que esta é uma situação perversa para ambos. Ao policial impõe-se a percepção de que sua missão é proteger vidas e não infligir temor ou aviltar a dignidade humana. Por sua vez, ao cidadão cabe a compreensão da necessidade de acatar as ordens do policial, e não reagir bruscamente por qualquer motivo no momento da abordagem, mas caso se sinta ofendido pela ação policial, pode e deve identificar o responsável pela abordagem e representar contra este junto à corregedoria policial.
Segundo Muniz; Proença Jr; Diniz (1999):
“é curioso que a percepção do problema do uso da força pela polícia e a discussão de sua propriedade no Brasil se dêem com base na ingenuidade perigosa que não distingue – ou não quer distinguir – o uso da violência (um ato arbitrário, ilegal, ilegítimo e amador) do recurso à força (um ato discricionário, legal, legítimo e idealmente profissional)”.
Como já referenciado no inicio desta reflexão o Estado, por si só, já consiste numa delegação/abdicação de liberdades individuais, pelos cidadãos, numa entidade superior, com vista a obter um conjunto de garantias, nomeadamente de segurança. Assim sendo, no “encontro entre polícia e população”, diante da impossibilidade de distinguir uma “suspeita” de uma ameaça real, não me parece descabido delegar parte (e entenda-se parte, pois é o que está em causa) da privacidade e da intimidade individual em prol da segurança coletiva, pois, ao meu modo de pensar, o que está em jogo não é a perda de direitos, mas sim a manutenção e salvaguarda dos mesmos.

*Antonio Jorge Ferreira Melo é Coronel da Reserva da PMBA, professor da Academia de Polícia Militar da Bahia e professor e pesquisador do PROGESP (Programa de Estudos, Pesquisas e Formação em Políticas e Gestão de Segurança Pública) da UFBA.

In Abordagem Policial

Nenhum comentário:

Postar um comentário

COMBATE VELADO | SAQUE VELADO | LADO R FT ANDRADE COMBAT | PARTE 1-25

Veja:  https://papamikejanildo.blogspot.com/2022/07/combate-velado-saque-velado-lado-r-ft.html https://papamikejanildo.blogspot.com/