Ciro Marques - Repórter
Eles ainda se sobrepõem ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB), mas este período pode estar prestes a acabar. Sem registro e gozando de total liberdade para cometer infrações sem resultar em multas aos seus condutores, os famosos ciclomotores ganharam espaço e adeptos em todas as cidades do Estado, sobretudo, em Natal. No entanto, essa popularidade pode estar com os dias contados. Isso porque a Polícia Militar planeja realizar um trabalho de fiscalização para exigir o registro obrigatório para o veículo, ação já prevista no CTB, mas que ainda não passa de teoria no Rio Grande do Norte.
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A Polícia Rodoviária fará trabalho de conscientização sobre as exigências para usar um ciclomotor
Os ciclomotores fazem parte daquele grupo que todos conhecem seu nome popular, mas poucos os reconhecem pelo nome oficial. Por isso, talvez fique mais fácil serem chamados de “cinquentinhas”, numa referência aos seus motores com, no máximo, 50 cilindradas. São aquelas “mobiletes” ou aquelas motonetas de menor porte, que devido ao seu preço acessível e formas de pagamento elásticas, caíram no gosto de muitos ex-pedestres.
A popularidade, inclusive, deve-se também ao desconhecimento de muitos condutores das obrigatoriedades que precisam arcar ao adquirirem um veículo como esse. “O problema é que muita gente está comprando ciclomotores acreditando que não é preciso emplacar, ter Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e podem andar livremente, sem capacete, até. Contudo, isso não é possível. Pelo menos, não deverá ser mais”, afirma o comandante do 1º Distrito de Polícia Rodoviária Estadual, capitão Cláudio Augusto.
Segundo ele, por enquanto será feito um trabalho de conscientização e informação à população sobre o que é preciso ter e usar para conduzir um ciclomotor. No entanto, em um futuro próximo, a intenção é começar um trabalho firme de fiscalização e até apreensão dos veículos irregulares. “Neste momento será para informação e, mais na frente, começaremos o trabalho ostensivo, de fiscalização e policiamento”, promete o capitão.
Segundo o Código de Trânsito Brasileiro, assim como motos de maior potência, carros, ônibus e caminhões, os ciclomotores precisam ser registrados junto ao Detran local, estarem licenciados e só poderão ser conduzidos por pessoas habilitadas e, consequentemente, maiores de 18 anos. “Atualmente, vemos que esse veículo popularizou-se principalmente entre os jovens. Inclusive, adolescentes. Muitos pais compram esses veículos para os filhos acreditando que eles não precisam de CNH para conduzi-los, embora isso não seja realidade. Precisam sim”, reforça o capitão.
A necessidade de uma CNH e de um registro para os ciclomotores, segundo o capitão Augusto, é clara. Sem registro e o emplacamento, o veículo pode transitar acima do bem e do mal nas vias públicas. Cortar sinal, parar em cima da calçada, transitar na contramão, no acostamento, cometer qualquer infração no trânsito e estar livre do que isso pode ocasionar: multas e pontos na carteira de motorista.
A CNH, por sinal, é outra necessidade básica do condutor, porque é com ela que quem dirige o veículo mostra ter conhecimento das leis de trânsito. “Sem a carteira, como é possível saber se o condutor está ciente ou não da legislação de trânsito? E se ele não está ciente, como pode ter responsabilidade de conduzir um veículo que pode representar um risco não só para ele, mas também para os outros condutores?”, questiona o capitão.
Além disso, é necessário também aos ciclomotores o licenciamento por parte do Detran. “É preciso que esses veículos estejam aptos a rodar. Paguem impostos e contribuição. Muitos não sabem mas, por exemplo, os ciclomotores que não são licenciados tiram o direito do condutor que se envolve em acidente receber o seguro DPVAT”, explica o capitão.
Ele acrescenta ainda a questão da segurança na regularização da situação do veículo: “se o ciclomotor é roubado, não tendo registro e emplacamento, resta apenas o número do chassi como forma de identificação e isso dificulta bastante para a Polícia encontrar e recuperar o veículo. Estando todos emplacados e registrados, fica mais fácil nosso trabalho: o que transitar sem placa, será vistoriado para saber se há contra ele queixa de roubo”. Com a falta de registro, inclusive, não é nem possível saber quantos veículos como esses estão, atualmente, transitando no Estado.
Se tratando de ciclomotores, por sinal, o problema de roubo e acidentes não preocupa apenas os condutores desses veículos. A sociedade pode ser vítima de pessoas nessas “cinquentinhas”. Um caso emblemático, por exemplo, foi registrado, na última semana, por policiais militares que fazem ronda no bairro do Alecrim.
Era quarta-feira, por volta das 7h30 da manhã. A rua dos Pajeus já estava bastante movimentada por pedestres e veículos, quando uma dupla, ainda não identificada, parou em frente à loja Cleito Cell e atirou seis vezes contra Claudísio Cardozo Ferreira, 31 anos. A vítima era foragida da Justiça do Ceará e um dos bandidos mais perigosos de Fortaleza. Mesmo assim, a dupla autora do crime poderia ter sido localizada e presa, se não tivessem utilizado na fuga um veículo não registrado e que nem placa possuía: uma motoneta Traxx, uma dos ciclomotores mais populares no Estado.
“Tivemos conhecimento que eles fugiram em uma Traxx preta. Os policiais até tentaram persegui-los, mas é complicado porque em um veículo leve como esse, eles têm vantagem na fuga. Além disso, como não havia placa, fica difícil identificá-la ou se localizar o proprietário, posteriormente”, afirmou, na ocasião, o tenente da PM Márcio Lima. Estando sem placas, a única maneira de uma Traxx ser identificada é pelo número do chassi.
“Não é qualquer pessoa que sabe localizar o chassi do veículo. Além do mais, fica mais fácil para a bandidagem. Praticamente todos os dias, temos notícias de roubos praticados por bandidos em ciclomotores, e se todos tivessem placa e apenas um ou outro não possuíssem, seria mais fácil identificar. afirmou o capitão Augusto.
A cada 10 acidentes, 8 são com motos, diz Samu
Insegurança e imprudência são principais causas dos acidentes. Se a falta de registro e licenciamento dos ciclomotores está se tornando um problema de segurança pública no Estado, devido a grande quantidade de bandidos que praticam crimes auxiliados por esses veículos, para a saúde pública as “cinquentinhas” também, há muito, já estão dando trabalho. Sobretudo, devido à falta de conhecimento dos condutores e a fragilidade do veículo.
“Ciclomotores têm estruturas muito frágeis e deixam seus condutores mais expostos, até que aqueles que conduzem motos. Além disso, como muitos não possuem Carteira Nacional de Habilitação, a quantidade de infrações no trânsito e, consequentemente, acidentes provocados por ele, é muito grande”, afirma o capitão Cláudio Augusto.
Da mesma opinião, compartilha a coordenadora-geral do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu Natal), Wilma Dantas. Segundo ela, atualmente, a cada 10 acidentes de trânsito socorridos pela Samu, oito têm como acidentados pessoas que conduziam veículos de duas rodas. “Deste número, a grande maioria estava conduzindo motos pequenas, como essas ‘cinquentinhas’ ou aquelas de, até, 100 cilindradas. Quase sempre, inclusive, o acidente é provocado por uma atitude imprudente dele mesmo”, afirmou ela.
Segundo Wilma Dantas, condutores de motocicletas maiores tendem a ter mais responsabilidade na condução de seus veículos, ao passo que os dos ciclomotores nem mesmo chegam a estar habilitados. “Aqueles que conduzem motos maiores têm mais zelo pelos seus veículos. Já os que andam de ciclomotores, comumente comentem irregularidades e, em alguns casos, chegam até a recusar o atendimento médico, por receio de serem autuados por algum crime. Já foram várias as vezes que chegamos ao local de um acidente e o condutor, mesmo acidentado, fugiu ou se recusou a ir ao hospital para não ter seu veículo apreendido”, afirmou a coordenadora-geral.
A apreensão de veículos, por sinal, já está sendo feita pela PM. Todos os ciclomotores envolvidos em acidentes e que não possuem licença, nem registro ou estão sendo conduzidos por pessoas sem a CNH, são levados para o pátio do Detran e só saem de lá devidamente regularizados. “Já começamos a fazer esse trabalho, pelo menos, com aqueles que se envolveram em acidentes. Eles só saem de lá devidamente regularizados e licenciados”, afirmou o capitão Augusto.
Outro ponto que contribui para a gravidade dos acidentes envolvendo esses veículos, além do desconhecimento do Código de Trânsito Brasileiro devido a frequente falta de habilitação por parte dos condutores, é a ausência de capacete, que apesar de todas as campanhas de segurança no trânsito, ainda é percebida. “Nos locais de mais trânsito, é difícil, mas nas periferias e, sobretudo, no interior do Estado, é fácil ainda ver esse tipo de atitude. Pessoas andando sem capacete, algo que é imprescindível para a segurança de alguém que conduz um veículo”, afirmou ela.
Lojas não alertam para a necessidade da habilitação
Menos de R$ 4 mil, na maioria dos casos, e mais uma economia sem tamanho no deslocamento urbano. Aliado a isso, a promessa de ser desnecessário o registro, a licença e o porte de Carteira Nacional de Habilitação do condutor (CNH). O modo econômico que as “cinquentinhas” oferecem é o principal motivo para que muitos optem pelo veículo e abandonem o transporte coletivo.
“Nossa grande maioria de clientes são pessoas de classes mais populares, trabalhadoras, sobretudo pela economia sim. Pagar a parcela e mais os gastos com combustível é mais barato que arcar com as passagens de ônibus”, afirma a gerente de uma das concessionárias de ciclomotores de Natal – nome preservado. Segundo ela, algumas “cinquentinhas” chegam a fazer 60 quilômetros com apenas um litro de combustível e seu valor de compra pode ser dividido em, até, 24 meses.
Para o capitão Cláudio Augusto, comandante do 1º Distrito de Polícia Rodoviária Estadual, em muitas concessionárias da capital do Estado não é nem tratada a necessidade de registro e de habilitação para veículo e condutor, respectivamente. “Por isso, estamos querendo fazer um trabalho de informação para a população para, em seguida, exigir o registro e a CNH. Muita gente compra esses ciclomotores desinformado do que é preciso ter para conduzir um. Saem da loja apenas com a nota fiscal e mais nada”, afirma ele.
Segundo o capitão, a função de fiscalização era inicialmente da Prefeitura do Natal, mas como ela já se pronunciou que não tem como fazer esse trabalho, a responsabilidade ficou para o Estado, através do Detran e da PM, com o Comando de Polícia Rodoviária Estadual (CPRE).
Questionada sobre a veracidade da declaração do capitão, a gerente ouvida pela TRIBUNA DO NORTE desconsidera a afirmação. “Nosso trabalho é atender o cliente e não tratar do registro de veículos. O ciclomotor sai daqui só com a nota fiscal como qualquer outro veículo sai da concessionária somente com a nota fiscal”, afirmou ela.
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