terça-feira, 9 de novembro de 2010

'A vontade popular não pode tudo', afirma promotor sobre caso Tiririca


Ele diz que questionará declaração, mesmo que deputado prove que sabe ler.
Advogado de Tiririca diz que não comentará afirmações.

Roney Domingos
Do G1 SP

Tiririca vota em São PauloTiririca cumprimenta jornalistas após votar no segundo turno em São Paulo (Foto: Daigo Oliva/G1)
O promotor eleitoral Maurício Antonio Ribeiro Lopes admitiu, em entrevista ao G1 na tarde desta segunda-feira (8), a possibilidade de pedir a absolvição do deputado federal eleito Francisco Everardo Oliveira Silva, mais conhecido como o palhaço Tiririca, caso fique demonstrado durante audiência que ele é alfabetizado, mas disse que vai insistir na apuração da veracidade do documento apresentado à Justiça antes do registro da candidatura para comprovar sua escolaridade. Procurado pela reportagem, o advogado de Tiririca, Ricardo Vita Porto, afirmou que não comentará as declarações do promotor.
Eleito com 1,3 milhão de votos, Tiririca responde a uma ação penal que apura a veracidade da declaração de alfabetização entregue à Justiça Eleitoral. Uma prova técnica produzida pelo Instituto de Criminalística aponta discrepância de grafia no documento original.
O promotor afirma que não vê problema em desafiar a vontade popular ao questionar Tiririca. "Em primeiro lugar, a vontade popular não pode tudo, tem limites dentro do estado democrático. A campanha foi feita em cima do personagem, mas quem toma posse é o homem. Se tirar a fantasia dele, aposto que a população não sabe identificá-lo. A vontade popular foi manipulada durante a propaganda eleitoral, feita com desigualdade."
Em uma audiência cuja data é mantida em segredo pela Justiça Eleitoral, Tiririca pode ser submetido a uma coleta de prova diante do juiz. A Justiça pode determinar imediatamente a absolvição ou condenação do candidato - o que não impede sua diplomação, em 17 de dezembro, nem a possibilidade de recursos aos tribunais superiores.
Em entrevista ao G1, Lopes deixa claro que resolver a questão da escolaridade não reduz a importância da questão sobre a suposta fraude na declaração. "O MP pode pedir a absolvição se ele me convencer de que sabe ler e escrever", afirma. "Se ele souber ler e escrever, se o conteúdo (da declaração) for verdadeiro, não importa o aspecto formal.  Mas independente da questão do conteúdo, eu tenho que analisar o documento em si", diz.
Segundo o promotor, Tiririca poderia ter se submetido à leitura de um documento, mas preferiu apresentar a declaração. Ele afirma que qualquer candidato é respaldado pelo artigo 16, inciso IV parágrafo 9º da resolução 23.221 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), segundo a qual a ausência do comprovante de escolaridade poderá ser suprida por declaração de próprio punho, podendo a exigência de alfabetização do candidato ser aferida por outros meios, desde que individual e reservadamente.
"Como eu provo que a declaração é de próprio punho? Em um cartório de registro civil, diante de um tabelião. Ou com a declaração, com carimbo atrás, de um funcionário da Justiça Eleitoral que registra e dá fé. Nada disso foi feito.  Eu acho que isso vale em uma relação privada. Isso valerá no ambiente do Poder Legislativo?"

Mesmo que seja diplomado, Tiririca pode ter de responder a um recurso contra expedição do diploma que pode ser movido pela Procuradoria Regional Eleitoral. O promotor remeteu documentos coletados durante a ação penal para subsidiar uma eventual ação do Ministério Público Federal.

Lopes lembra que a Constituição define no artigo 14, parágrafo 4, que os analfabetos são inelegíveis, mas lamenta que não haja lei federal definindo o que é analfabetismo. O promotor propõe como parâmetro para avaliar Tiririca um estudo da Secretaria Estadual da Educação de São Paulo que define o analfabeto funcional.
"Eu tenho uma visão do que seja uma pessoa alfabetizada. O estudo diz que conceito que hoje vigora no Brasil para considerar-se que alguém é alfabetizado é o da alfabetização funcional, que está relacionada ao grau de leitura, escrita e interpretação em função do meio social em que vive a pessoa." Segundo o promotor, caso o candidato se recuse a fazer o exame, terá de arcar com as consequências.
Sobre a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo a qual "quem deveria fazer a prova é quem pediu para ele (Tiririca) fazer prova", Lopes diz: "Nós juízes e promotores fizemos os nossos exames e fomos aprovados".
O promotor afirma que o Ministério Público tem de cumprir sua obrigação, que é defender a Constituição. "Não tenho nada pessoal contra o candidato Tiririca. Eu agi porque houve uma denúncia da imprensa. Tivemos que agir por conta do conhecimento que veio a público e que tem de ser apurado com o maior rigor." Ele cita o artigo 172 da Constituição, segundo o qual cabe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica e do regime democrático.

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