terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Piada de português ou de baiano?

Autor: Carlos Henrique Ferreira Melo
Nasci na beira da praia, uma praia maravilhosa e pouco conhecida, a praia de Roma na Cidade Baixa, Salvador. Tive a oportunidade e o prazer de desfrutar diariamente do mar. Meus pais também nos levavam a aventuras à época, ir à praia da Penha na Ribeira, o melhor banho de mar do mundo, Inema em Paripe, de carro e de trem, um passeio que jamais esqueci, a praia de Amaralina, uma verdadeira viagem, com seis filhos e um fusca, sempre nos proporcionavam lazer. As poucas barracas existentes eram de vendedores de côco, não havia infraestrutura, tínhamos de levar tudo. O tempo foi passando e aquelas praias outrora desertas, foram sendo povoadas.
A orla marítima de Salvador é abençoada, linda por natureza, e inclui desde o subúrbio até praia do Flamengo, apesar do desconhecimento de muitos, inclusive dos governantes, que até hoje não consideram a cidade baixa e o subúrbio como orla, basta olhar os investimentos realizados e fazer uma simples comparação. A cidade cresceu, a frequência aumentou e as barraquinhas de côco não supriam mais as necessidades. Aqueles mesmos barraqueiros, sem nenhum treinamento, montaram barracas maiores e passaram a atender de forma artesanal os frequentadores. Pela distância e a dificuldade de levar e conservar mantimentos, se tornaram moradores das mesmas, outras foram surgindo e mais outras e, apesar do desenvolvimento e o crescimento da cidade, os costumes se mantiveram. Contudo, um plano de reestruturação é iniciado e concede novas barracas com financiamento praticamente simbólico, porém esquecem de que, como todo comércio, é necessário e imprescindível conhecimento, a vocação turística deve ser acompanhada de treinamento e qualidade, simplesmente entregaram as barracas aos comerciantes sem nenhum curso, nenhum preparo. A padronização existiu, todas iguais, de madeira e piaçava no telhado, já na origem o número pré-estabelecido por questões eleitoreiras, aumentando em mais de 50%, o espaçamento entre elas quase que desapareceu.
Observando a necessidade de estrutura e vislumbrando lucro, empresários e alguns barraqueiros mais empreendedores investiram no setor, substituindo as barracas de madeira e piaçava por outras bem mais estruturadas, com qualidade, sanitários, proibição de som, banho de água doce, conforto, estrutura para crianças, enfim, uma maravilha, constituindo-se como mais um atrativo turístico de Salvador, um novo filão de negócios.
Durante todo este tempo, as reformas que foram realizadas pelo poder público parecem não ter tido nenhum critério, exceto atender a maior quantidade do que consideravam eleitores. Na Ribeira, outro exemplo, além de super povoar uma orla com menos de um quilômetro, dividiu as barracas em quatro, tal qual foi feito agora no Imbuí, ou seja, uma barraca com quatro frentes e quatro donos, ao invés de calcular um espaço mínimo para cada barraca, que possibilite lucro, conforto, lazer, preservação ambiental e segurança, construiu novamente sem critérios, sem estacionamento, repetindo os mesmos erros praticados no passado, nos levando a crer que ainda existirão muitas “derrubadas”.
Nenhum turista vem à capital baiana apenas à procura de praias desertas e sem infraestrutura, pelo contrário, procura conforto e lazer. Os próprios soteropolitanos, como eu, buscam um local tranquilo, limpo, com um atendimento de qualidade, não buscam praias bucólicas, desertas com vendedores ambulantes e seus isopores, isto fica reservado para o litoral do estado, outro tipo de turismo.
Evidente que as praias desertas e sem infraestrutura são também excelentes locais para descanso, o que tenciono é estabelecer uma diferença de quem procura tais locais e quem procura praias com infraestrutura e suporte, de outra forma o Caribe, Fortaleza, Miami, Búzios, Itacaré, Barcelona e Barra Grande não existiriam. O grande mal do baiano é a idéia constante de que para construir é necessário destruir, em tudo somos assim, tivemos ônibus elétrico, diferentemente do Rio, Curitiba e São Paulo onde existem até hoje, foi desativado para dar lugar aos veículos movidos a diesel, tivemos via exclusiva de ônibus na Avenida Mario Leal Ferreira, Bonocô, destruímos para implantar o metrô, tivemos o estádio Otavio Mangabeira, a Fonte Nova, foi destruído para dar lugar a outro que até o nome o governador quer mudar. É sempre assim, com as barracas não foi diferente, derrubamos as existentes sem saber o que fazer. Porque não aproveitamos o que ainda existia e adequamos à legalidade e, principalmente, a vontade do povo baiano, que em nenhum momento foi consultado? Destruir as barracas conhecidas internacionalmente pela estrutura e qualidade como as de Patamares, Stella Mares e Flamengo, algumas delas incluídas no roteiro turístico da cidade é uma estupidez sem retorno.
Ouço e leio uma grande quantidade de piadas com português, todas levando a crer que são ingênuos e burros, na verdade nós é que somos, destruímos as barracas quase no início do verão, para onde os turistas vão? Quem vai mudar todos os guias turísticos e impressos do gênero pelo mundo afora? Porque antes de destruir não foi aprovado um projeto e à proporção que fossem construídas as novas, as antigas seriam demolidas? Apresentar somente agora planos paliativos indica pura incompetência, antes do “Deus” ter dado a ordem, certo que provocada pelo Prefeito de Salvador, deveria ao menos encomendar estudo sobre o impacto que causaria tal medida ou exigir que a Prefeitura o fizesse, quantos empregos diretos e indiretos? Como estas famílias garantirão seu sustento? Como ficará a segurança na orla totalmente deserta? Questões simples que sequer foram cogitadas e que certamente nenhum Português deixaria de indagar. A ordem era para “derrubar” e como Juiz neste país, e mais ainda na Bahia é Deus, ninguém questionou, exceto na hora da demolição a Prefeita de Lauro de Freitas, e tudo foi ao chão.
Agora, surge o Presidente, o Governador e o Prefeito como salvadores da pátria, vamos aprovar projetos e a verba esta garantida, vamos propor uso de barracas, toldos e cadeiras tudo em alumínio, vamos propor trailer, e por aí vai, como baiano tem memória curta, não vai lembrar que outrora foi assim, barracas provisórias e trailers, a imundície foi tão grande que foram proibidos e deu lugar as barracas, agora as barracas dão lugar a estes, afinal quem é o Português?
Imaginar que como num passe de mágica a população soteropolitana vai adaptar-se ao desconforto de frequentar praias cuja única opção é o atendimento por ambulantes com seus isopores ou trailer é surreal. Por outro lado, as alegações de que as fossas sépticas prejudicavam o meio ambiente, o que dirão da ausência de sanitários, onde os banhistas vão satisfazer suas necessidades fisiológicas?
Chegamos ao absurdo de determinada autoridade judiciária comentar em noticiário televisivo que o ideal seria apenas isopores, sem toldos, cadeiras, infraestrutura nenhuma, ora bolas, ideal para quem? Para mim não é e certamente para grande maioria dos baianos frequentadores de barracas de praia também não, tomar o Rio de Janeiro como referência é algo impensável, pois além da cultura ser diferente não funcionou, tanto que recentemente o prefeito deu um choque de ordem nas praias. Em Salvador, o que era loteado pelos barraqueiros agora é loteado pelos ambulantes com aluguel de cadeiras, isopor e muita falta de higiene. Um casal de turistas no jardim de Alah pagou R$36,00 (trinta e seis reais) por duas garrafas de água mineral e o aluguel de duas cadeiras por meia hora! Como previsto no lugar das barracas surgiram armengues montados com toldos e sombreiros com mesas e cadeiras, a venda de alimentos continua em churrasqueiras imundas e enferrujadas, os copos são de vidro e lavados com água de balde, quem duvidar basta um passeio pela “orla do futuro”.
Evidente que era necessário uma mudança, mas antes deveria existir um projeto aprovado e iniciado para paulatinamente serem substituídas sem prejuízo para os proprietários e a população, seis meses se passaram o réveillon chegou e a cinco dias da festa a orla esta abandonada. Resta-nos o consolo, pois agora além do menor metrô do mundo, de uma área verde com parques e diversos equipamentos de lazer cercados e sem acesso aos pedestres, teremos a maior orla sem qualquer infraestrutura do mundo, piada de português ou de baiano?
*Carlos Henrique Ferreira Melo é Major da Polícia Militar da Bahia, comandante da 39ª CIPM, especializado lato sensu em Gestão Estratégica em Segurança Pública (CEGESP- UFBA) em Defesa Social e Cidadania – UFPA em Direitos Humanos (PROCEDH – UNEB) e professor da Academia de Polícia Militar do Estado e da UNEB.

http://abordagempolicial.com/2011/01/piada-de-portugues-ou-de-baiano/

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